domingo, 20 de maio de 2007

santo domingo

"Acordo e vejo que to sozinha no quarto. Olho para um lado e para o outro, só vejo lençóis, pacotes de biscoitos salgados mal-comidos e algumas garrafas de cerveja. Em cima da cama bagunçada, um só travesseiro, que é o único que apoio minha cabeça, conta. Os outros foram todos jogados no chão, pela crise. Levanto-me. Abro a porta e caminho pelo corredor do apartamento apertado e chego na sala. Lá se encontra meu marido. Minhas pantufas de pé de dinossauro roxas encontram-se em seus pés, que por sinal estão em cima do centro de vidro que minha mãe me deu. Ele sabe o quanto eu tenho raiva de quando isso acontece, e ainda teima em coloca-los lá. Um pote com amendoins de um lado, e uma cerveja do outro o acompanham no sofá. Ligado na TV, um jogo de futebol de qualquer time sem importância. Ele nem me olha. Sequer nota minha insignificante presença no espaço. Somente concentra-se no jogo e de vez em quando solta uns gritos do tipo: 'puta que o pariu, essa merda não vai pra frente com um juiz desse' ou 'juiz viado filho-de-uma-mãe, para de roubar!' e se cala novamente. Quase nunca grita 'GOL', no máximo pula de emoção, egoísta por si só, como se engolisse o prazer de ver o time vencer. Não sabe ele, do quanto sinto falta de todas as tardes de domingo em que passávamos juntos, olhando o crepúsculo, abraçados, entre beijinhos e carícias. Era o tempo que eu realmente o amava. Agora não mais. Agora ele só sabia de futebol, cerveja e amendoins. E ainda tinha a cara-de-pau de roubar minhas pantufas. Não sei pra quê inventei de deixa-lo usar. 'No casamento, as pessoas sempre dividem as coisas' já dizia minha mãe, por telefone. Não no meu caso. Pra mim, o que era meu, era meu e o que era do outro, era do outro. Um tanto egoísta da minha parte. Jacob era o vizinho de cima, e tocou a campainha na hora em que observava meu marido a ver o jogo.
- Veja quem é, mulher. To vendo o jogo.
Abri a porta e deixei-o entrar.
Jacob tinha lá pelos seus trinta e poucos anos, executivo, homem direito e dos negócios. Do tipo: pronto pra casar, ter casa e sete filhos, com os quais viajaria sempre todo verão. Jacob entra e cumprimenta meu marido, antes de mais nada, só por educação:
- Boa tarde.
- Olá rapaz! Sente-se aqui e vamos tomar uma, olha que jogo maravilhoso.. o flamengo tá ganhando, como sempre. por isso me orgulho desse
time maravilhoso.
- Não obrigado, não gosto de futebol -
coisa rara pra alguns homens.
Jacob olhou pra mim, que situava-se à suas costas. Sussurrou algo que não entendi, e me puxou pelo braço, disfarçadamente, saindo do recinto e entrando na cozinha, ultimo cômodo do apartamento. Fingi pro meu marido que iria dar-lhe água. Este que não se incomodou nem um pouco, continuou vendo seu futebol como todo domingo. Jacob me abraçou por traz, com toda delicadeza e sussurrou o que antes não havia entendido:
- Não aguento mais esse homem perto de você, venha morar comigo, irá ser muito mais feliz.
- Ainda não. Você sabe que não posso. Espera só um
tempinho, que tudo será resolvido.
E rendemo-nos as carícias de todo santo domingo."