quarta-feira, 4 de julho de 2007

um café

De um lado, ele; com os desgrenhados cabelos castanhos, voando ao vento forte que batia. Aqui, do outro lado da rua, eu, sentada num banquinho de praça, observando as pessoas que passavam pela rua, sem deixar de notar naquele que parecia tão simples ao mesmo tempo tão diferente.
Ele não era alto, não era perfeitamente lindo, não era musculoso; era esguio, altura mediana, repleto de um quê de confiança, de um charme que eu não pude deixar de notar.

Virei a página do jornal, fingindo lê-lo quando ele olhou. Não que eu tivesse problemas de encarar as pessoas, mas algo me dizia que se eu encarasse demais, ele se aproximaria. Confesso, fiquei tentada a continuar encarando. Mas não consegui e, quando dei por mim, já era tarde. Ele tinha sumido em meio à multidão.

Levantei e fui andando, tranqüilamente, em uma direção qualquer, fingindo não procurar alguém, como se fossem reparar. Caminhei até a faixa de pedestre e atravessei, esbarrando em milhões de pessoas que iam no sentido contrário ao meu. Do outro lado, olhei para um lado e para o outro, não consegui achar aquela beleza em forma humana. "Pra onde ele foi?" Perguntei-me. Caminhei calmamente, fingindo outra vez não procurar nada, como se alguém fosse notar.

Já anoitecia quando eu desisti de caçar por ele. Meu estômago roncava, pedindo um pouco de comida. Talvez por costume, eu segui sem reparar em direção a um Café que tinha na esquina da minha rua.
Logo que adentrou o café, se aproximou do balcão e pediu duas torradas com mel e um copo do melhor cappucino expresso da cidade. Enquanto o cheiro forte de cafeína subia às minhas narinas, eu folheava a revista que estava sob o balcão. Particularmente, aquele era o melhor lugar do Café, já que ele dava de vista para a entrada do Café e ainda podia me dar ao lucro de conversar com o barman dali, que era um jovem muito animado e tagarela.
Hoje, em especial, eu não prestava muita atenção ao pobre coitado; me entretecia com a revista sobre o mundo da moda que fingia ler. Então senti no ar um perfume novo. Aquele lugar que sempre fora marcado pelo forte cheiro de cafeína - cheiro que, devo confessar, sempre me atraiu -, foi levemente adocicado com uma fragrância muito gostosa de cânfora.

Eu nem precisei olhar duas vezes pra saber de quem se tratava. Quando o vi entrando pela porta do Café e exalando todo aquele perfume, percebi logo e procurei pela sua presença. Encontrei-a sentado em um dos sofás vermelhos e com uma mesinha de zinco à frente, esquecidos, que eu nunca sentei, ou se sentei não lembro. Ele era o único naquele lugar do Café, e pelo jeito não se sentia mal por aquilo. Certamente era novo na cidade. Ou no café. Enfim, falei algo sem importância com o barman, dei-lhe um dinheiro qualquer, e fui caminhando lentamente, andando pelos cantos até chegar sua mesa. Parei na sua frente. Ele levantou os olhos do que tinha em suas mãos e ficou olhando pra mim. Reparei que seus olhos tinham cor de mel e me davam uma sensação de chá da tarde com açúcar refinado e almofadões. Sentei no sofá à sua frente e fiquei ali, por algum tempo, só observando-o.

Ele também não puxou assunto, nem eu. Percebi que ele tinha um sinal ao lado da boca e os cabelos não tão cacheados como da ultima vez que tinha visto. Senti que também tava sendo observada. Modéstia parte, eu não era de se jogar fora, já que herdei os belos olhos verdes do meu pai, estes que combinavam exatamente com meus cabelos ruivos. Talvez tenhamos ficado assim, nos encarando, por um bom tempo. Então, levantei-me de onde estava e ir-me-ia, não fosse o fato que ele me chamou mais rápido. Então, ficamos ali, sentados lado a lado, tomando café numa tarde fria de outono, fazendo jogos de palavras cruzadas, caça-palavras e forca. O início de uma primavera que ainda viria.



Texto meu e do Sauro.