sexta-feira, 7 de março de 2008

Um. Dois. Três.

O ônibus passou exatamente quando as três garotinhas chegaram na parada. O número impresso no letreiro indicava um que cabia para as três, porém, a mais velha teria que descer primeiro, mas somente pelo fato de morar mais perto que as outras - bem mais perto, pra ser mais realista.
O mundaréu de gente lutando entre cotoveladas e olhares agressivos e indigestos para entrar no ônibus era imenso. Naquela parada em especial, ninguém sabe realmente porquê, era o ponto onde os ônibus centrais (os que rodavam pelos pontos principais da cidade, como praia, centro e alguns bairros) sempre lotava literalmente. E foi o que a mais velha comentou:
- Vai lotar.

As três mocinhas estudantes de ensino médio conseguiram entrar e furar a fila muito mal feita pelas pessoas que se esmurravam para conseguirem subir logo e passar pela roleta antes que o ônibus pudesse ir embora. As três passaram em ordem. A mais nova. A do meio. E a mais velha por último.
- Senta atrás. - A mais nova declarou.
Obedeceram. Sentaram nos últimos bancos, da última parte do ônibus que pudesse ser ocupada por seres humanos.
- Tem uma musiquinha bonita tocando aí na tua bolsa - A mais nova comentou.
- Sim. É minha mãe ligando. Olha o toque, vê se tu conhece
- Ah! Adoro essa musica, "what a feeling in my soul, love burns brighter than sunshine" cantarolou.
- Eu tenho o filme. Original! - debochou a mais velha.
- Nhem. O título é nada haver né. "De repente é amor". "A lot like love".
- Né isso. Estranho. A tradução deve ser algo como "Muito como amor"...
- Ou "Muito parecido com amor"
- É. - fechou a mais velha.
Por algum motivo imprescindível, tocaram no assunto de namoros. A do meio veio logo com a "pergunta-buxa":
- Tu ainda gosta dele?
- Não - resopondeu a mais velha, direta.
- Sente falta? - foi a vez da mais nova.
- Não. Bem, um pouco, mas é só físico. Mas gostar, gosto mais não.
- Ah - assentiram as duas.
- Físico dele ou físico de qualquer um? - a mais nova, intrigante como sempre.
- Qualquer um. Não necessariamente de qualquer um, mas, bem, não dele. Ah, você me entendeu.
Silêncio por uns dois segundos. Ela olhou para o vidro onde o cobrador situava-se e viu o reflexo do cara que estava ao seu lado, restritamente. A barba rala, hum, já chamou sua atenção. "Talvez também tenha olhos claros", pensou, mas não se deu o trabalho de olhar. Desviou-o para a conversa novamente, comentando simplesmente:
- Tipo, no começo eu fiquei muuuuuuuito mal. Mas depois de umas duas semanas passou.
- É assim, de repente você tem, daqui a pouco não tem mais. - A do meio completou.
- É. É assim com todos os namoros.
- Tipo, é como se ele tivesse vindo de São Paulo passar dois meses aqui, e depois fosse embora.
- É. Quase isso.
Ainda deu tempo de dar uma pequena olhadela pro mesmo espelho e ver o reflexo do garoto ao seu lado. Levantou-se de supapo e viu que o ônibus já chegava a sua parada diária, onde ela descia e ia para casa. Olhou para os lados e, entre um pedido de "licença" dos pés do garoto, uma última conversa e uma despedida rápida, deslocou-se para frente do ônibus e esperou que o mesmo parasse.

O garoto que estava ao seu lado tinha os olhos claro e a barba rala. Exatamente como ela gostava, como ela queria um pra si. Simplesmente ele deu um salto e levantou-se subitamente, quase correndo para a frente do ônibus. Não puxou a cordinha e o movimento das suas mãos passando entre os ferros de segurança do ônibus quase o fazia cair e equilibrar-se ao mesmo tempo. Não hesitou em segurar a mão da garota mais velha da turminha de três moças. Com uma força calculada, ele apenas a virou e, segurando seus braços, beijou-a subitamente, fazendo-a perder a descida. O beijo durou exatamente um, dois, três minutos. As línguas não se encostaram. Nem deu tempo de abrir as bocas, ou de sequer uma troca de olhares. Um beijinho simples e súbito.

Depois disso, ele afastou sua boca da dela, mas não imediatamente soltou seus braços. Ficou a assistí-la por um tempo indeterminado com aqueles olhos claros e cintilantes. E ela a tentar entender a situação, mas sem questionar, sem interver em nada do que ocorria. Devagar, ele desceu as mãos pelos seus braços branquelos, apertou suas mãos ainda mais brancas e afastou-se um centímetro.
Não tinha como falar nada. Ela não sabia por onde começar, se perguntava o nome dele ou se ia embora emburrada. O que aconteceu? Ãhn? Tentava invariavelmente entender sem ter de fazer perguntas. Ele estava na mesma situação, possivelmente. A parada seguinte já se aproximara.
- Tenho que descer.
- Tudo bem.
Foi a única coisa que conseguiram trocar. Sem nomes, sem telefones, sem olhares carnais. Só um beijo de um, dois, três minutinhos. Ela desviou-se do corpo estático do garoto que antes era apenas um reflexo num espelho de banco de cobrador e agora um que somente a beijara. Cadê o sentido nisso?
Desceu os três degraus do ônibus e tocou no solo. Olhou para trás, na esperança de ainda ver aqueles olhares claros que a tinham pego de surpresa. Deu sorte e conseguiu vê-los, ainda por um tempo que o ônibus se deslocava. Assistiu a saidera do ônibus, depois virou, baixou a cabeça e seguiu seu caminho para casa, mas ainda sem entender o beijo de um, dois, três minutos.