sexta-feira, 20 de junho de 2008

Leia escutando uma música que gosta

Eu sugiro esta (foi a que me inspirou):



Havia arbustos. Arbustos floridos rodeando um casebre que parecia perdido no meio da mata selvagem. À frente, uma trilha de madeira dava pro rio, límpido e de uma claridade cristalina. Do outro lado do rio, as árvores curvadas diante do casebre davam a impressão de que era protegido por elas.
Lá dentro, não se via energia. Apenas uma luz clara de um candieiro que quase jazia. Também não tinha porta, apenas as paredes e o teto, tudo feito de taipa e barro batido. Era tardezinha, o sol já se punha e o rio começava a criar uma cor noturna, mas não ainda.

Em meio a imensidão verde - e um pouco colorida por causa das flores -, um homem encostava-se de um lado da parede onde era para estar a porta. Tinha uma expressão inócua e parecia ser calmo, apesar de tristonho. Seus cabelos e roupas desgrenhados demonstravam que não tomava banho há dias - talvez. O rosto estava empolado e parecia empoeirado de tanto tempo.

Ele tocava uma música com a boca, usando as mãos, olhos fechados. Um instrumento pequeno, vermelho e preto. A música que saía dele era triste e significativa. Talvez manifestasse no estado qual se encontrava. Provocava-lhe arrepios e trazia lembranças à memória. Devaneios inexplicáveis.
Abrindo os olhos, viu toda a mata se balançar, como se estivessem num baile de acasalamento. Animais iam chegando perto de seu casebre. Mas não pareciam animais de corpo verdadeiro.

Recuou para dentro do casebre, pondo o instrumento que tocara no bolso. Sentou-se num banquinho de madeira alcochoado, ficando à frente de um piano de mogno muito bem cuidado. Abriu-o e, dando uma luz mágica ao recinto, mostrou as teclas brancas perdidas no meio das pretas. Seu sorriso estava por um triz e seus olhos já molhavam a face envelhecida. Fechou os olhos mais uma vez. Deixou que seus devaneios tomassem conta. Um momento propício.

Os animais foram achegando-se ao seu piano. Ele os via em seu sonho e sentia-os em seu corpo. Interligados, como na arca de noé, os animais abeiraram em casais. Estavam dançando com a música que saía de um instrumento tão grande e gracioso. Uma brisa partia das árvores e traspassava o casebre, provocando súbitos de frenesi no homem.
De repente, tudo ganhou uma certa vida. Os animais fizeram um tipo de fila de um lado e de outro, como que dando abertura a alguém que chegava. Uma mulher linda, de cabelos cacheados e dourados como o sol. Seu vestido encandescente ofuscava todo o recinto. Todos os animais, objetos, árvores, tudo e todos fizeram suas reverências à iluminada. Seu rosto exprimia uma beleza infantil e suas mãos tinham uma delicadeza inconsciente.

Aproximou-se do pianista. Por ver seus ombros curvados, apoiou as mãos e endireitou sua coluna vertebral. Ainda com as mãos delicadamente sob ele, tateou seu pescoço e sua face. O homem apertou os olhos, sentindo mais lágrimas rolarem sob o seu rosto. Um sorriso lhe foi retirado quando a deusa, abaixando seu corpo e encostando o seu rosto no dele, disse num sussurro:

- Eu nunca vou te abandonar.

Ele não suportou. Por ansiedade, virou abruptamente o corpo e soltou uma das mãos do piano para tentar pegar o que lhe faltava. Não conseguiu.
A música estava no fim. Seu amor platônico se esvaia, juntamente com todas as suas esperanças que colocavam-se nos animais ali presentes. Desapareciam como o fim de um sonho, sendo levados pela brisa que corria pelo casebre e o entardecer do sol.
Ainda com os olhos cheios de lágrimas, ocultou as teclas do piano.
Deitou-se num colchão próximo ao que se chamava de porta do casebre e, vendo a lua avizinhar-se do sol poente, adormeceu.

Nesse dia, ele sonhou com a mulher de seus sonhos.