sábado, 19 de julho de 2008

O olhar dela

Ela vem caminhando, calma, observando as pessoas limpando as vitrines molhadas da loja. Havia acabado de chover. A rua estava clara, com o sol fraco, e poucas pessoas passavam por lá. Era cedo, mas parecia tarde.
Passeava com um ar perdido. Usava botas de camursa preta que iam até o joelho, cobrindo a calça jeans também preta, colada no corpo, salientando suas coxas grossas. Sua blusa fazia o realce de seus seios brancos, reluzentes à fraca luz do sol. Usava uma jaqueta de couro amarronzada, combinando com seus cachos castanhos. Os olhos abertos, atentos, eram de um preto cintilante.

Ela não estava preocupada com nada nem com ninguém. Ou ao menos parecia estar muito bem com a vida. Até que uma lembrança veio à sua memória. A lembrança de sua primeira noite, no primeiro bar da nova cidade que, de início, ficaria só para visitar e passou a morar. De primeira vista, adorou a cidade nova, com todo seu ar de cidade grande. Depois, passou a conhecer os bares, os pubs, as baladas. E isso fora depois daquela noite.

Essa noite, ela conhecera um homem. Um homem em especial, não sabia seu nome - ou não se recordava. Mas se lembrou que o sexo que os dois fizeram fora, para ela, um dos mais intensos de sua vida. E tudo começou porque ela decidiu - sem motivo algum - olhar-lhe nos olhos. Nunca pensou que uma simples olhada nos olhos daquele cara lhe faria tão bem, lhe traria tantos momentos bons. E tudo aconteceu tão rápido, numa só noite! A sua jaqueta cintilante fazendo seus ombros ficarem mais másculos foi o que mais lhe chamou atenção. Resolveu atentar ao homem, jurando que ia ser só mais um a entrar na lista. Enganou-se completamente.

Ele percebera que ela não o olhava. E ela não olhara nos olhos de nenhum dos caras quais ela fora abordada - ou ela os abordou. Só com ele que decidiu levantar as pálpebras. Ela ficava encarando suas coxas - ah! aquelas coxas! - grossas enquanto ele tentava chamar a atenção do seu olhar para o dele. Talvez estivesse acostumado com tantas mulheres olhando para seu corpo, refletiu, só não sei apontar se ele tentava puxar o olhar das outras tantas. Talvez puxasse mesmo! Safado! Cafajeste! E ainda teve a audácia de olhar bem aqui dentro. Que coisa!

Tendo um súbito de raiva, franziu a testa e passou a dar passos largos em uma direção qualquer. Abaixou a cabeça por impulso e tentou contornar aqueles pensamentos, quando, de repente, alguém se aproxima dela e apoia as mãos em seus ombros, parando-a imediatamente.

- Ei, o que você está fazendo aqui? - ela foi abordada por um grito quase ensurdecedor.
- Precisa falar tão alto? - retrucou, tapando os ouvidos.
- Desculpa - ele abaixou a voz. Livrou as mãos de seus ombros, ficando de frente com ela. Tirou os fones. Ela ficou calada, ainda de cabeça baixa.
- Agora, me responde, o que você faz por aqui? - perguntou ele.
- Nada demais - disse, ainda meio atordoada - só andando. E você? Para onde vai?
- Canto nenhum. Também estava só andando, alheio. Mas vi você se aproximando e parei logo para não te dar um tombo. Você estava tão entorpecida nos seus pensamentos...
- Er... - e calou-se por um instante.


O sol, agora mais forte, a impedia de ver aquele homem que insistia em ficar à sua frente, impedindo sua passagem. Com uma das mãos apoiada na testa, fazendo sobra nos olhos, conseguiu ver quem era. Era o homem do bar. O homem que lhe olhava nos olhos. Ele não parecia diferente, ainda tinha as mesma coxas, e - isto lhe impertigou um pouco - usava a mesma jaqueta. Surpreendido por aquele tamanho de homem a sua frente, não conseguiu dizer nada, apesar de ter levemente aberto a boca, como se isso lhe aliviasse do aperto que sentia no peito.

- Tudo bem, não precisa falar nada. Olha, ali tem uma loja de bandas - apontou para sua frente, por cima dos ombros dela - e perto tem uma sorveteria.
Ela não disse nada. Com o olhar, acompanhou seus lábios enquanto falava. Reparou que tinha um dente de ouro. Esse cara é cheio das surpresinhas, pensou consigo.
- Quer dar um pulo lá? Tem uns cds legais, inclusive, vou comprar uns. Depois eu te pago um sorvete. Pode ser?
- Ahn... Tudo bem - foi o que conseguiu dizer, por fim.

Saíram, lado a lado, de mãos soltas. Não seria o momento adequado para pegar-lhe na mão assim, de supetão, sem que nem soubesse suas verdadeiras intenções para com ela. De qualquer modo, foi andando com ele, ainda sentindo um formigamento nos pés e um apertinho no peito. Coisa que, logo, logo se acostumou. Era esse o efeito que ele provocava nela. E, de certa forma, estava feliz por isso.


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