terça-feira, 30 de setembro de 2008

Absorção

- Você tem que entender que, por mais que você se importe, existem pessoas que, definitivamente, não se importam. - Eu estava calada, absorta em seu discurso claro e firme - E você não tem que se importar com elas, porque se elas não se importam, quem é você pra se importar? Sabe, isso fere a lógica... - ele continuava, mas agora eu nem prestava mais atenção.

Tudo o que eu queria ouvir já tinha ouvido, tudo já tinha passado e agora eu só o admirava. Como era belo. Seus cabelos cor-de-mel voando com o vento, provocando ondulações imaginárias. Sua própria sombra fazendo sombra sobre mim, me protegendo e me provocando, fazendo-me ter aquela vontade de puxar seu pescoço alto para mais perto de mim, sem poder.

Seus olhos me hipnotizavam, eram tão claros, verdes, às vezes até captavam uma tonalidade de azul. Mas o preto do meio, como se fosse um buraco negro no meio do mar límpido, era o que mais me chamava a atenção. Eu queria cair ali dentro, mas não podia. Nunca, jamais poderia.

Ele era alto, muito mais alto do que eu. Me sentia uma formiga sempre que estava ao lado dele, mas não me imporava, eu sabia que ele me protegeria de qualquer mal. Quase não tinha bochechas; seu rosto era magro e másculo, uma expressão de virilidade desleixada admitindo seu charme peculiar. Ele era meu, mas não me pertencia.

Eu era apaixonada por seus ombros. Tão grossos e largos; sua pele branca e macia estendendo-se por completo neles, os músculos sobressaindo-se, esgueirando-se pelos braços, formando dunas de areia. Eu adorava vê-lo sem camisa só para ficar admirando aqueles ombros, querendo tocá-los com a ponta dos dedos, sentir sua maciez de pele... Ele me entorpecia.

Mas eu não podia. Não podia nem sequer poder pensar em deixá-lo pegar-me nos braços, como costumava sonhar. E por isso éramos amigos, como se fôssemos amigos de infância. E agora ele estava ali, mais uma vez, tentando me acalmar, me ensinando as coisas que só ele parecia saber, ou que só eu merecia saber através dele. Éramos cúmplices de um crime perfeito - o de me criar.

- Então, você não devia se importar com gente que não se importa com você. Sabe, isso te faz mal, vai te fazer sofrer muito, e eu não quero te ver assim - A sua voz ganhava um tom suave e amoroso, e eu amava esse afago. - Você não precisa disso. Não é mesmo?

E saiu. Ele sempre saia com uma pergunta no ar. E eu tentava pegá-la, guardá-la no bolso da calça e só abri-la quando chegasse em casa. E foi isso o que fiz: - quando ele virou as costas, ainda me olhando por cima do ombro com os olhos de príncipe - pus as mãos nos bolsos e guardei seu presente. Exatamente como deveria ser.