quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Eu não sei, mas imagino.

Eu sei, mesmo sem estar lá dentro, que meu irmão está sentado na beira da cama. Sei também o motivo de ele não estar em outro lugar: simplesmente 'não consegue sentir inspiração em outro canto', como ele mesmo já me disse. Sua guitarra é uma Fender vermelha com preto e está apoiada nas suas pernas, seus dedos passeando pelas cordas, lançando o som alto e musical no quarto. É sua fotografia, eu sei de cor.

Imagino que seus amigos estejam em meia-lua ao redor dele, assistindo seu showzinho caseiro. Deve ter um cinzeiro no meio deles, com algumas piolas de cigarro, a fumaça predominando no recinto. Mas desconfio que estejam fumando apenas cigarros adocicados. Para falar a verdade, eu sei que eles não fumam só cigarrinhos de mulher. E por falar em mulher, acabo de ouvir a voz da Thaís. Sabe, sempre tive muita inveja dela. Não só por ela ser bem mais velha do que eu, mas principalmente por sua beleza glamurosa. Thaís é o tipo de garota que é capaz de parar uma avenida só com uma jogada de cabelo. Seu corpo esguio e bronzeado andando por cima daquelas sandálias rasteiras fazem jus a seus cachos simplesmente caídos pelos ombros, assim como os vestidos floridos que ela tem o hábito de usar. Talvez esse seja só mais um detalhe, mas é a voz de Thaís que mais me dói. Como eu queria uma voz daquela, doce e cativante (e ainda por cima mineirinha!). Aposto que é isso que deixa o Zeca caídinho. O Zeca é o meu irmão, se é que você entendeu.

Ouço algumas vozes masculinas que não consigo identificar, mas logo seguida de uma outra feminina bastante familiar. É a Denise, uma engraçada e antiga amiga do Zeca. A sua voz é muito audível e esganiçada, um tom a lá Elza Soares. Ela denuncia exatamente o seu jeito de ser: temperamental e uma amigona, do tipo pau-para-toda-obra. Não sei o que ela veste, mas deve estar com alguma roupa que destaque ainda mais a sua cor de chocolate. É o tipo de roupa que ela costuma usar, e tenho poucas suspeitas de que ela tenha mudado de estilo. Não pense que eu não sinto inveja dela porque não é verdade. Claro que sinto! Tenho esse sentimento por todos os amigos do meu irmão e, bem, acreditem, isso me deixa louca. Você não sabe, mas a pior coisa do mundo que alguém pode sentir é inveja.

Mas, pense bem, a minha invejinha não é maléfica - não quero destruir a vida de ninguém e tomá-la para mim. É só o desejo reprimido que tenho de não ser assim: extrovertida e calorosa que nem elas. Minha inveja toda provém dessa falta de espontaneidade que eu sinto. E, cara, você não sabe como isso me aborrece. Não tanto a ponto de sair fogo pelos ouvidos - como nos desenhos que assisto -, ou estourar as veias e explodir com todo mundo. Quero dizer, gritar já não é meu forte. Muito menos querer brigar com os outros só porque eu tenho inveja. Mas que isso me deixa brava, deixa sim, tanto que me levantei da cama, abri a porta do meu quarto com uma força que não era minha e - aí vem a pior parte - acabei encontrando os amigos do Zeca lá. Bem, você pode estar pensando que eu sou uma idiota por ser assim, mas o que eu senti foi pura vergonha; toda aquela inveja, raiva, ou o que fosse tinha se dissipado. Agora era só vergonha, pura vergonha. E aposto como meu rosto ficou vermelho como pimentão.

Sabem, não é fácil ser assim. Geralmente você tem que ter muita prática para não ficar vermelha em qualquer lugar. Eu estou aprendendo, aos poucos, é claro. Só falta sair mais, encontrar mais pessoas. Quero dizer, socializar mais, daí então acho que posso melhorar essa situação. Mas, enquanto isso não acontece, eu continuo com o rosto quente e vermelho de sempre.


A primeira que falou comigo foi a Denise, a da voz engraçada. E, olhe só, ela está com uma blusa vermelha e um short jeans claro. Realçando sua pele de bombom, como sempre

- Olá, pimentinha! - Ela sempre zoa da minha timidez. - Tudo na paz?
Antes mesmo que eu pudesse responder, todos que estavam ali olharam para mim com aqueles olhos espantados. De novo, não é fácil quando essas coisas acontecem bruscamente comigo. Controle-se Daniela, controle-se! Mas quem disse? O que fiz foi abaixar a cabeça, somente.

- Não precisa ficar com raiva, menina, a gente já está saindo - disse um gordinho que nunca vi na vida.
- Não estou com raiva - consegui responder, com um fiapo de voz.
- Daniela! - meu irmão deu um grito, me assustando. Por que ele precisa ser assim, tão espalhafatoso? - Gente, essa é minha irmã mais velha - Lá vem ele com as piadinhas de sempre - a cabeçuda da casa. Galera, Daniela. Daniela, galera.
- Ela é mais velha que você, Zeca? Nem parece - foi a vez da belíssima Thaís. E, sim, ela estava com um de seus vestidos lindos pendurados pelo corpo. Ah, não, de novo não!
- Não sou mais velha - respondi na frente do Zeca - É só brincadeira dele. Na verdade, eu tenho 14 anos, e ele tem 19, mas a minha cabeça é de uns 40 e a dele é de uns 10,11, sei lá... - É, por aí mesmo.

Todos riram da coisa sem graça, menos eu. Desculpa, não consigo achar graça nessas coisas idiotas. Sinceramente.

Não deu tempo de ninguém falar mais nada. Eles pareciam ter entrado numa crise ridícula e contínua de risadas. Puta merda, pensei. Que "galera" mais retardada.

Fechei a minha porta e, caminhando pelo meu quarto imenso - já tinha mencionado isso? Deixa para a próxima. - deitei na cama, jogando todo o peso do meu corpo contra ela. Ah, a glória da paz e do conforto!