quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Malas e Inspirações

- Parece que o mundo vai acabar.
- Não é o mundo. Mas sim você e eu.

Essas foram suas últimas palavras antes de dar as costas e ir embora. Ele deixou-a sozinha na cozinha. Ela segurava a taça redonda de vinho, já seca. Os olhos marejados. Brilhantes com a luz do sol que penetrava pelas janelas, mas marejados. As lágrimas escorriam pelo seu rosto, vagarosas.

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Era um domingo, e os pais dela haviam viajado. Ele viera para sua casa. Chegara cedo, trouxera malas.
- Para quê isso tudo? - perguntou ela, curiosa.
Ele não respondeu.

Ela não perguntou mais pois sabia que ele não diria agora o motivo daquele tanto de bagagens. Mesmo que insistisse. al sabia ela qual era a razão. Ela pegou uma das maletas e ele levou outra, subiram as escadas.
No quarto dela, as janelas estavam trancadas. Ela fez o favor de abri-las, mesmo não gostando da ventania que normalmente entrava. Mas aquela tarde parecia úmida. Ele abraçou-a pelas costas enquanto ela fitava o jardim da vizinha.
- Você está linda nessa roupa - comentou ele.
- Você acha? Nem é nova - disse ela.
- Não precisa ser nova para ficar bonita em você - dizendo isso, virou o corpo dela e encarou seu rosto - Você é linda - frizou o elogio. Ela derreteu-se nos braços dele.

Até onde ele sabia, aquela era a garota mais linda que ele já conhecera. Mas um fato único tinha acontecido na sua vida, e não fazia pouco tempo. E esse fato era a razão de suas malas, e do seu olhar de quem vai embora. Contudo, ele tentava esconder esse olhar a todo custo. Ela não podia perceber. Não agora.

- Você me espera? Preciso de um banho. - disse ela. Ele assentiu.
Ela entrou no banheiro, ele se sentou na cama de casal dos pais dela. Haviam deixado as suas malas no quarto dela e agora estavam no quarto dos pais. Ele não sabia quando eles voltariam, mas ela garantiu que não seria cedo. Ele podia tranquilizar-se. Retirou a colcha de cama, trocou os lençóis deles pelos dela. Tudo podia acontecer, e ele não queria levar a culpa.

Quando ela saiu do banheiro, estava radiante. Vestia uma lingerie cor de ouro, combinando com seus lindos cabelos castanhos e cacheados, que estavam soltos. A preferência dele. Os olhos dela estavam mais brilhantes do que quando o vira chegar. Usava um diadema folheado a ouro segurando o cabelo, deixando a franja escovada pousar sobre sua testa. Ele aproximou-se dela surpreso com tamanha beleza.

Os beijos começaram, e foram se tornando cada vez mais quentes. Intensos. Fortes. Eles adoravam toda aquela voracidade que os conectava de alguma forma. Talvez fosse esse o motivo de eles estarem juntos até hoje. Ou pelo menos estariam.

Mais tarde, quando os dois já estavam praticamente dormindo na cama, ela levantou-se e desceu as escadas. Não percebeu que ele viera logo atrás, seguindo-a. Foi à cozinha e pegou uma garrafa de vinho, como sempre. O vinho era seu vício, o único que tinha. Que vinha depois dele, claro. Ou talvez do sexo dele.

Pegou a taça redonda no armário e pôs em cima da bancada. Abriu a garrafa ainda lacrada e destampou-a. Enquanto despejava o líquido no copo, sentiu uma mão gélida agarrar sua cintura. Era ele e suas surpresas. Ela tomou um gole de vinho antes de virar para olhá-lo.
- Agora você vai me explicar o motivo daquelas malas? - perguntou ela depois de beijá-lo ainda com a boca molhada da bebida alcoólica.
Ele soltou sua cintura num impulso. Fitou o chão. Procurava as palavras pelo recinto, olhando cada detalhe.
- Vai, fala. - insistiu ela. Seguiu-se um longo silêncio.
- Acontece, Lila, que eu mudei - ele começou do nada. - Mas não foi para pior. Eu conheci uma garota... - e interrompeu-se para ver a reação dela. Ela segurou-se na bancada para não cair. Jamais imaginava que aquilo podia acontecer. Ele não continuou, então ela decidiu quebrar o silêncio com sua voz chorosa:
- Parece que o mundo vai acabar.
- Não é o mundo. Mas sim você e eu.

E deu as costas. Ainda estava de cuecas. De repente, tudo parecia fazer o sentido mais embaçado do mundo. Ela observou aquele corpo másculo se afastar, deixando-a sozinha naquela cozinha tão grande. Os olhos marejados. Brilhantes com a luz do sol que penetrava pelas janelas, mas marejados. As lágrimas escorriam pelo seu rosto, vagarosas. Ela viu-o fechar as portas de vidro - que mais pareciam muros que os separavam - e andar pelo jardim.

Sem pensar, correu atrás dele, deixando o copo cair de suas mãos e espatifar-se no chão. Abriu apressadamente os muros de cristal, quebrando as barreiras. Ofegante, conseguiu chegar perto dele.
- Não importa! - esbravejou ela com a voz branda - Eu vou ficar com você, e você vai ficar comigo, independente de onde estejamos. Eu vou sempre te ter, e você vai sempre me ter contigo. "Nós sempre teremos um ao outro quando todo o resto tiver acabado", lembra? Você cantou isso para mim. Era nossa música. E deve ser nosso final.
- Todos nós temos uma fraqueza - começou ele, as lágrimas derretendo-se pelo rosto. - Algumas vezes isso é fácil de identificar. Outras não. Esse foi o meu caso. Você não entende. Eu não sei se posso agüentar.
- Mas todos nós temos algo que nos inspira. E que nos enfraquece, também. E nós temos um ao outro para nos inspirar. E agora eu quero te fortalecer, já que você não deixou que eu me enfraquecesse também. Eu não quero deixar que essa sua fraqueza o destrua. Quero nosso eqüilíbrio. - Ela fungou, enchugando as lágrimas - Deixa-me te resgatar do que está cobrindo a sua melhor parte, a que eu mais gosto. Deixa - pediu ela.

De repente, tudo clareou na mente dele. Toda aquela besteira de ir embora, de malas e - principalmente - deixá-la aqui, sozinha, não parecia mais fazer sentido. Agora, tudo o que ele mais queria era ficar do lado de quem o iria salvar desse mal. Da parte que lhe cobria o melhor que ele tinha. Seus olhos resplandesceram no sol de final de tarde e, sem pensar duas vezes, abraçou-a. Um abraço apertado, logo seguido de um beijo apaixonado. Os dois ficariam juntos. E dessa vez seria para sempre.
- "Então quando a fraqueza aumentar meu ego, eu vou saber que você contou comigo desde o passado" - cantou ele em seu ouvido.
- "E lembre-me de que nós sempre teremos um ao outro quando todo o resto estiver acabado" - continuou ela, cantarolando.

Voltaram para casa de mãos dadas.

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Este texto foi inspirado (quase que totalmente) na música e no clip Dig de Incubus. O clip não tem muita coisa a ver, mas é basicamente a mesma história (pelo menos a parte do vinho é igual), então deu para misturar a letra da música e o clip. Bem, segue-se a letra e para ver o vídeo, clique aqui, já que eu não sei como colocar vídeo aqui (depois, se alguma alma abençoada quiser me ajudar, agradeço). ;D



Dig - Incubus

We all have a weakness
Some of ours are easy to identify
Look me in the eye

And ask for forgiveness
We'll make a pact to never speak that word again
Yes, you are my friend

We all have something that digs at us
At least we dig each other
So when weakness turns my ego up
I know you'll count on the me from yesterday

If I turn into another dig me up from under
What is covering the better part of me
Sing this song
Remind me that we'll always have each other
When everything else is gone, oh

We all have a sickness
That cleverly attaches and multiplies
No matter how we try

We all have someone that digs at us
At least we dig each other
So when sickness turns my ego up
I know you'll act as a clever medicine

If I turn into another dig me up from under
What is covering the better part of me
Sing this song (sing this song)
Remind me that we'll always have each other
When everything else is gone

Oh, each other, when everything else is gone

If I turn into another dig me up from under
What is covering the better part of me
Sing this song (sing this song)
Remind me that we'll always have each other
When everything else is gone.

Oh, each other (sing this song) when everything else is gone
Oh, each other, when everything else is gone.