terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Desgraça dos outros

O pior é saber que existem pessoas que se divertem com a sua desgraça. Com o seu choro. Com o seu desespero. Com qualquer movimento seu que vá de contragosto com o natural. Então, que saída há? Fazer tudo o que os outros querem?

E se divertem mesmo. De rir horrores. Rir por dentro. Pessoas são assim, e não mudarão, nem muito menos se sensibilizarão. Todo mundo rir da desgraça dos outros. Mas há aquela diferença entre rir, porque é ridículo, ou rir porque chega a ser tão trágico que é engraçado, e tem aqueles que riem por puro e simples prazer. É como um divertimento, sabe? Uma coisa inexplicável. Como assistir a uma peça de teatro de humor e rir porque o palhacinho caiu no chão. Rir por simplesmente achar engraçado, achar bom, achar prazeroso. Difere-se do "rir para não chorar".

Há prazer nas desgraças dos outros.

O que é mais curioso é saber que pessoas assim estão tão próximas de nós que é impossível não notar. Sabe aquele ar de deboche, aquele olhar de quem realmente está se divertindo, enquanto você está puta de raiva, ou desesperado porque algo de muito ruim aconteceu, ou bateu aquela dor de cotovelo? E riem disso, sem mais escrúpulos, soltam aquela gargalhada gostosa, como uma criancinha que acha tudo engraçado, novo, funny.

Então, o que você faz?

O mais fácil é virar as costas e tentar esquecer. É claro, ninguém quer causar briga. Ninguém quer armar aquele barraco. Ou querem, mas se o fazem, são logo taxados de ridículos, de sem papas na língua, e é muito difícil gostar de uma pessoa assim. As pessoas tentam ser educadas, sem serem, e isso é tão engraçado, como se fosse uma falsidade generalizada. Todo mundo quer ser o que não é.

O que se é?

Então, você vira as costas. Solta um muxoxo, olha torto, como se pudesse transmitir palavras pelo olhar. E vê que o outro te encara com aquela cara espertalhona, quase como um vilão de filme infantil, "É agora que eu te pego, pirralho". Você não pode fazer nada, só quer tentar pôr para fora todo o seu ódio pelo olhar, como se isso funcionasse. Seu próprio olhar é doce, por mais que você tente mostrar o tanto de ódio, nojo, asco, raiva, pudor, safadeza, vontade-de-socar-até-a-morte etc. Mas de que adianta?

Os olhos não dizem nada para quem não presta atenção.

Então, você vira as costas. E tenta esquecer, para não causar barraco, mas aquilo não sai da cabeça de um num piscar de olhos. Para bons observadores, um risinho de escárnio desses não se esquece assim, facilmente, como se fosse fumaça que o vento leva. Quem dera fosse, deus meu! Assim todos estariam bem mais tranquilos, se não houvesse a tal da rancorosidade, quero dizer. E nem se sabe se essa palavra realmente existe, mas soa tão forte, assim como é o sentimento: ser rancoroso. Porque remoer? Você não é vaca.

Mas é o mais fácil, ou, quem sabe até, o mais "ético" (o que é ética?) a se fazer.

Não dá para armar um barraco, mesmo que seja na sua casa, porque você é ignorante demais, e a pessoa que te encara com aquele olhar que te ridiculariza ainda mais, que acha bom que você sinta aquilo, que acha bom que seu ódio seja representado por palavras, gritos, batidas, quebrando tudo; elas acham engraçado, se cagam de rir, tem dores de barriga e lágrimas nos olhos.

Há sorrisos com lágrimas na desgraça dos outros.

E o que você pode fazer? Virar as costas, fechar a porta, soltar um palavrão, e remoer, e esconder, e guardar aquilo para si, e dobrar mil vezes até que aquilo pare no fundo do seu poço, naquele canto mais escuro da sua mente, no inconsciente de Freud, junto a todos os outros olhares, todas as outras palavras jogadas, tudo o que incomoda, todo aquele ser que se diverte com seu ódio, com seu desprazer, jogar ele todo dentro do poço e fechar, tentando esquecer a luzinha que de vez em quando brota dali de dentro, e dando as costas, de novo, porque é mais educado, ou mais ético, vai saber.


Não dá para fechar um poço cheio de rumores e mágoas tão facilmente. Já para abrí-lo é dois segundos.