sábado, 7 de março de 2009

Leis do tempo

Dia desses eu voltava das compras e estava na calçada, esperando para atravessar a rua. Um ônibus vinha lá longe, e o sinal estava no verde. Do outro lado, eu vi uma mulher negra segurando a mão do que parecia ser seu filho. Na outra mão ela carregava uma sacola. Não sei bem o que me chamou atenção naqueles dois, mas só sei que fiquei olhando para ela como se esperasse que algo estava prestes a acontecer. A rua começava a encher de carros. O ônibus se aproximava.

O sinal foi perdendo o verde. A mulher pareceu ter perdido a paciência e, de repente, decidiu atravessar, quando viu um carro a uma distância segura. Mas ela não viu quando o ônibus, que há pouco estava longe, naquele instante estava perto, perigosamente mais perto dela e do seu filho negro.

Tudo depois foi rápido demais, e eu senti um aperto no peito e um friozinho na barriga. O ônibus acelerava. A poucos metros dele, uma mulher atravessava a rua com um pouco de dificuldade. Foi quando percebi que ela, além de negra, era coxa. Isso que estava, sutilmente, atrasando-a. O motorista viu a mulher, a mulher viu o motorista e, de repente, só deu tempo de ouvir uma buzina muito alta e muito forte, seguida de uma freada brusca, daquelas que deixam marcas no asfalto.

Eu fechei os olhos e levei a mão à boca. Assustei-me previamente, tentando imaginar, com meus olhos fechados, a cena de horror que me aguardava. Mas, quando vi, apenas a mulher, a mesma mulher que eu fitava, aquela que atravessava a rua na mesma hora que o ônibus passava desvairado, estava ao meu lado, sã e salva. Ela pôs a mão no meu ombro e disse:

- Aconteceu alguma coisa, minha filha?
Eu estava pálida. Tirei a mão da boca e abri os olhos lentamente. Encarei a mulher. Tinha os olhos de um preto brilhante.
- Não, tudo bem. - Eu tentei despistar, mas realmente me sentia mal.
- Tem certeza?
Eu olhei para o filho dela. Ele me encarava com um olhar curioso.
- Tudo bem, obrigada - e soltei um sorriso.

A mulher deu as costas e seguiu com o filho para o supermercado. Eu me recuperei da queda de pressão e decidi voltar para casa a pé, e pela mesma calçada que estava, sem ter que atravessar tão cedo.


Enquanto caminhava, comecei a divagar sobre tudo o que via, e o que tinha visto. O que tinha feito aquela mulher perder tanto tempo para atravessar a rua? Quando eu bati o olho nela, a rua estava livre, e no entanto ela só se decidiu atravessar quando o ônibus já estava tão próximo. O que me fez sentir que algo estava para acontecer, exatamente naquela mulher que, por acaso, eu fiquei a observar no lugar de ter ido logo atravessar a rua?

E se...

E se o ônibus tivesse batido? E se eu tivesse atravessado? O que eu perderia se tivesse morrido naquele exato instante? Muita coisa, talvez. Coisas de suma importância, como minha mãe. E o que aquela mulher teria perdido? Talvez o filho, que, por ser mais novo, e não coxo, tivesse corrido com mais rapidez. Ou será que seria o filho que teria perdido a mãe?


O tempo é algo mágico e, ao mesmo tempo, frio. Ele te esmaga, e te faz ficar com pressa; ilude, achando que você pode controlá-lo. Não pode. O tempo é a única coisa independente nessa nossa sociedade, nesse nosso mundo, nessa nossa galáxia. No entanto, o tempo tem forma. E a forma dele forma você.

O tempo me controlou, me fez ficar parada e não atravessar a rua. O tempo fez aquela mulher negra atravessar naquele exato momento e, se não fosse por ele, ela estaria caída na pista naquela hora. E eu seria a testemunha. Se não fosse as rígidas leis do tempo, ninguém teria controle, e tudo ou nada aconteceria.

Não existem quem não seja subjugado. Quando eu acordo atrasada, é ele me controlando, me dando ponta-pés nas costas, gritando no meu ouvido. Quando eu deito para dormir, é ele contando histórias e cantando canções de ninar nos meus ouvidos, paciente e vagarosamente, para eu cair num sono profundo e cheio de sonhos.

O tempo controla até mesmo nossos sonhos.

Uma vez eu imaginei que o tempo fosse um homem velho, barbudo e de fala vagarosa, que tivesse todo o tempo do mundo. Ele estaria sentado em sua cadeira de balanço somente observando tudo ao seu redor, e controlando, com aqueles olhos perversos. Alguém muito jovem, mas com muitas rugas, falaria com ele numa rapidez incrível. Seria seu irmão, a pressa.

De qualquer forma, o tempo "velho" controlaria o "novo", dizendo-lhe que não tinha como fugir. Que ele passaria os segundos, os minutos, as horas do jeito que ele bem entendesse. Mas a Pressa insistiria em adiantá-lo, porque ele era muito novo e não tinha todo tempo do mundo, assim como o velho, que parecia ter.

E assim somos nós. Por mais apressado que você esteja, você não vai mudar o tempo. Por mais que eu quisesse que o tempo parasse naquele instante, para que a mulher não tivesse nem corrido o perigo de ser atropelada, ele não iria parar. Por mais que você tente, ou eu tente, não dá. É impossível controlar o que é incontrolável.

O tempo é mágico porque te proporciona tanto coisas boas, como coisas ruins. Não é bom passar um tempo com os amigos? Ou ver quem você ama, nem que seja por apenas trinta minutos? Quantos segundos cabem em trinta minutos? E quantos cabem numa vida?

Assim, não é por sua causa que o tempo vai mudar. Infelizmente, eu, você, todos nós temos que seguir essas regras invisíveis e inexplicáveis do tempo. É uma coisa que não dá para fugir. O tempo esmaga. Mas, ao mesmo tempo, te leva as nuvens! Não adianta ir contra a corrente se nem mesmo há uma corrente. Você é controlado. Eu também sou. Mas isso não parece ser algo ruim, já que tudo está nos eixos. Pelo menos para o tempo.

O que te faz perder tanto tempo? Quantas chances de ter tempo você ainda terá?


"Don't waste your time or time will waste you" (Não gaste o seu tempo ou o tempo vai gastar você) [Muse - Knights Of Cydonia]