terça-feira, 31 de março de 2009

"Vão me matar"

Sempre tive essa sensação. "Vão me matar" dizia minha consciência, latente. Antes, isso não era tão frequente. Eu não ligava muito, tentava ignorar ao máximo sua voz... Da minha consciência, quero dizer. Mas, sabe como é, o tempo vai passando, as pessoas vão ficando velhas... E assim foi comigo.

Aconteceu antes d'eu dormir. Era um dia normal de segunda, eu tinha voltado do trabalho (sou contador, interessante não?) e estava me preparando para ir dormir. Cansado, já tinha jantado qualquer coisa e estava assistindo TV. Quando ela me atacou.

Começou fraquinha, uma vozinha baixinha. Eu quase não ouvia. Depois, foi aumentando. Ao longo que eu ouvia as notícias no jornal, ela ia falando mais rápido, mais eloquente. Tinha mais força, falava mais alto. "Vão m-a-t-a-r vo-cê". Às vezes pronunciava bem devagar, dando ênfase, exatamente para que eu a desse ouvidos. Tentei não dar. Jurei pela minha mãe morta e enterrada - que já estava, então jurei por mim mesmo morto e enterrado - que não ia escutá-la de jeito nenhum. Disse várias vezes que aquilo era a maior besteira que eu já tinha ouvido. Cheguei a falar na frente do espelho, tentando reafirmar que aquilo não tinha nenhum senso.

Não adiantava. Ela continuava lá, dando sussurros gritados, como se tivesse se esgoelando. Ou alguém a enforcando. Suspeitei que fosse morrer sufocado. Então, para adiantar o processo, peguei uma corda e amarrei no lustre da sala. Fiz o nó, coloquei uma cadeira embaixo e subi. Derrubei a cadeira, mas nada aconteceu. Fiquei lá, pendurado, respirando. Tentei de novo, nada. Tentei três vezes. Nada. Então, desisti. E fui dormir.

Na cama, o silêncio da casa - eu morava sozinho - era avassalador. E a voz na minha cabeça tinha aumentado de volume. Agora não era mais sufocada, sussurrada, escondida. Era totalmente imperativa. Comecei a suar. O que diabos estava acontecendo comigo?

Quando não aguentava mais, meu pijama estava completamente ensopado, eu já tinha me revirado em todas as posições do Kama Sutra na cama, terminei por me levantar. Tirei a roupa ensopada, joguei num canto e me tranquei no banheiro. Achei que um banho fosse aliviar...

Nem mesmo diminuiu. A consciência continuava vociferando na minha mente, estranhamente preponderante. Me senti um funcionário desfalcado, que vive recebendo esporro do chefe - nada de distante do que eu realmente era, um capacho. Tirei a conclusão de que a voz sabia mais sobre mim do que eu mesmo. Terminei o banho e coloquei uma roupa qualquer.

Saí do apartamento. Era madrugada, não tinha ninguém nos corredores, nem no elevador, e o porteiro estava cochilando na sua cabine. Não o acordei. Saí às secretas pela porta de vidro e encarei a rua. Estava escura e soturna, alguns mendigos dormiam por lá.

Eu não entendia que parte do meu corpo me coordenava para sair de casa àquela hora. Me sentia dividido: uma metade de mim queria estar na cama, dormindo tranquilamente, sonhando com números e mulheres gostosas. Enquanto outra que parecia ter um domínio maior sobre mim, me levava para onde queria.

Atravessei várias ruas e cheguei a uma praça. Alguns táxis estavam parados. Cheguei a cogitar que a minha consciência estivesse me levando para algum deles, mas vi que não quando parei longe deles e sentei num banco. Senti minhas pernas começarem a doer. A insônia, naturalmente, me deixava cansado.

Queria tanto um cigarro. A carteira de Marlboro Red tinha acabado, e eu não sabia quando teria dinheiro para comprar outra. Olhava a rua escura, muitas lojas e bancos fechados. Tudo era só iluminado pelos postes. Quando me virei, vi que tinha uma lojinha aberta. Ainda pensando nos cigarros, levantei e caminhei na direção dela.

Ao tentar atravessar a rua, me pegaram de surpresa. Só aí que eu percebi que a voz tinha parado de falar no meu ouvido. Ou era eu que não a estava mais escutando? Tentei não pensar naquilo. Os homens agarraram meus dois braços com força e sussurraram no meu ouvido:
- Venha conosco.
Não hesitei em me virar e ir com eles. Andava de cabeça baixa, gotas de suor gelado brotavam na minha testa. Estava visivelmente nervoso, acho que até tremia. Tentei entender a situação de forma racional. Mas não consegui. Estava suado, com medo e com uma certeza dentro de mim terrível.

Eles me levaram para uma ponte e pararam o carro. O que estava do meu lado saiu primeiro, eu saí depois, então o motorista veio e, com uma arma na mão, apontou na minha testa. Disse:
- Acho que você já devia saber disso.
- Sim. - eu disse, jamais por mim mesmo. Não deu tempo de falar mais nada. A arma silenciosa disparou dentro da minha cabeça. Em poucos segundos, eu já tinha perdido a consciência, e não sei bem o que aconteceu, mas boatos contam que me jogaram no rio. Depois, foram embora como se nada tivesse acontecido.

Eu acho que sempre soube. A voz na minha cabeça era só um aviso prévio. Como se quisesse me alertar do que eu já sabia há tempos. Não foi a toa que, na hora, ela parou de falar. Ela ficou só me assistindo do meu apartamento, sorrindo, com aqueles dentes e olhos brilhantes. Ela sabia, eu sabia, todos sabiam. Mas, não pense que sou criminoso ou tenho algum envolvimento com tráfico. Apenas conto números, sonho com gostosas e moro sozinho. Depois disso, acho que meu apartamento ficará para alguém mais interessante que eu. E a voz, essa que trás a certeza prévia, ficara lá. Sempre à espreita, esperando pelo próximo que cruzar aquela porta.

Ela vai esperar para sempre.


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Reflexo de um dia de "agonia" que eu tive, e não tinha nada a ver com acerto de contas, Malboro Red ou vozes na cabeça. Já morte, eu não sei... hahaha.

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Selinho que recebi da Fe... Obrigaaaaaaada, queriiida! Lindo, adorei =DD


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Não tenho idéia para quem enviar, e no momento estou com sono demais, então vai para os 10 primeiros que comentarem e que ainda não tiverem o selo ok? beijo =D