quarta-feira, 29 de abril de 2009

A máquina - O amor é o combustível

"Lá donde Antonio vem é longe que só a gota. Longe que só a gota no tempo, que é muito mais longe que só a gota do que longe que só a gota no espaço. Porque, vir de longe no espaço é lonjura besta, que qualquer bicho falado derrota. Agora vir de longe, no tempo, é lonjura cabulosa. Lonjura, que prá ficar desimpossível, demora. Lá no tempo de Antonio, o mundo já tinha virado uma doidice. Mas prá se entender direitinho a história da doidice desse tempo, há de se começar do começo, bilhões de anos atrás, quando o mundo foi criado. Tudo era uma seca só, num tinha terra, num tinha céu, num tinha bicho, num tinha gente, num tinha nada. Era só o breu. Aí, Deus foi ficando meio enjoado e decidiu criar o mundo. E pensou assim: 'Vê que besteira minha, por que é que há de ficar tudo sem nada, se eu posso inventar o que eu quiser?' E saiu inventando! Primeiro Deus inventou o tempo, que era prá ter tempo de inventar o resto. Em seguida inventou o céu, que era pra ter onde morar. E como o céu tem que ficar em cima de alguma coisa, Deus inventou a Terra prá botar por debaixo. E aí Deus pensou: 'A Terra vai ficar assim, só com o céu em cima e sem ficar com nada por baixo não é?' E aí ele pegou o inferno e botou debaixo da Terra. No começo, a terra só servia prá isso: prá ficar embaixo do céu e em cima do inferno. Foi então que Deus disse: 'Oxente, já que tem a Terra, eu tenho que botar gente pra morar lá' E foi assim que ele criou a vida! E no que ele criou a vida já criou a morte junto pois tudo que é vivo morre. 'Danosse!' Deus pensou na hora. 'Se todo ser vivo tem nariz, boca, orelha e olho, tem que ter uma serventia pra isso tudo!' Os olhos e o nariz já tinha as dele: os olhos eram prá olharem pro céu, e o nariz prá pessoa respirar enquanto viva, prá parar de respirar, prá poder morrer em paz. Mas carecia arranjar uma utilidade prá boca e prás orelha. E não foi por isso que Deus fez o verbo? Verbo era como Deus chamava as palavra. E Deus haja inventar palavra. 'Montanha, rio, riacho, elefante, jumento, capim, abacate, saputi, laranja cravo.' Mas, como prá cada palavra tinha que ter uma coisa, Deus teve que inventar um monte de coisa, pra ficar uma coisa pra cada palavra. Abacate, saputi, laranja-cravo, capim, elefante, jumento, montanha, rio, riacho. E os homem acharam pouco, e se botaram a inventar mais coisa ainda! Ihh... prego, parafuso, munguzá, picolé... Desde o começo do mundo até o tempo de Antonio, muita palavra se inventou, muita coisa aconteceu, muito tempo teve que passar até chegar o dia do tempo dele. Mas o tempo de Antonio, assim conhecido desse jeito, o tempo de Antonio, como foi chamado esse tempo, o tempo de Antonio começou no dia em que Antonio veio ao mundo".



Um trecho do filme A Máquina - O amor é o combustível (2006 - 95min).

O filme conta a história de Antonio (Gustavo Falcão), que nasceu abençoado pelo tempo e supostamente tem o poder de manuseá-lo. Ele mora numa cidade chamada Nordestina, interior de Pernambuco, e é apaixonado por uma menina chamada Carina (Mariana Ximenes). Carina tem o desejo louco de sair de Nordestina e conhecer o mundo. Antonio, apaixonado, desafia a menina e sai para ver como é o "mundo". Vai pra São Paulo e reencontra o irmã, que o leva a um programa de TV, no qual Antonio desafia o mundo inteiro a ir no futuro "pra verificar o prazo de validade desse mundo que eu vou dar de presente a Carina". E assim se sucede. Antonio constrói uma máquina "munida de 700 lâminas giratórias" que, caso ele não cupra o prometido, ela vai "talhar o meu peito e desgraçar ele todinho, e esgarçar mais um pouquinho, até ficar aparecendo tudo que tem lá dentro". Antonio volta para Nordestina e acontece um baile de máscaras (com uma velhinha cantando muito simpática). Daí acontece mais um bocado de coisa e o final é o mais surpreendente de todos.


Um dos melhores filmes brasileiros (claro, os filmes brasileiros que resgatam histórias daqui (leia-se Paraíba) são os melhores, mas esse bateu todos, à exceção de O auto da compadecida, que é clássico) que eu já vi na vida. Vale a pena. Recomendadíssimo.

Assistam e vejam com o verdadeiro "paraibano" fala ;D