sexta-feira, 22 de maio de 2009

Por acaso?

O lugar era escondido atrás de um salão de beleza. Passaram pelo salão encostando e batendo em muitas pessoas, até chegarem a um corredor escuro e fedorento. Viram algumas pessoas sentadas à uma mesa, uns sentados nas cadeiras, outros deitados no chão - e exalavam um odor que contribuia com o clima abafado. Qualquer um que visse, definitivamente, não gostaria da "beleza" do lugar.

Deram de encontro com uma porta pixada e cheia de adesivos aleatórios, a qual ele deu duas batidinhas de leve, esperando que alguém viesse. Ninguém apareceu. Tentou abrir a porta pela maçaneta, trancada. Bateu com mais força. Alguém veio atendê-lo.

- Sim? O que você quer? - o cara da porta não demonstrava nenhuma reação.
- Vim comprar uns CDs. O Olie está? - ele perguntou.
- Não. O Gordo saiu. Deve tá lá fora, fumando ou comendo. Quem é você? - o garoto, que tinha porte de dezoito anos, mas cara de vinte e cinco, franziu as sombrancelhas.
- Ninguém importante. Vou procurar o Gordo. Valeu. - ele respondeu e saiu em seguida, pegando na mão dela e puxando-a para fora.

De novo, passaram pelo corredor fedorento - fazendo-a tampar o nariz. Atravessaram o engarrafamento de gente do salão de beleza e comprimiram os olhos com a força da claridade do lado de fora. Ele logo avistou o seu amigo, encostado no muro que dividia o salão da lojinha de bijouterias ao lado. Puxou-a pela mão que, displicentemente, segurava e aproximaram-se do Gordo.

O Gordo era realmente gordo. Ele era obeso de uma forma mórbida. Mas, incrivelmente, conseguia fazer tudo sozinho, e muito bem. Tinha até namorada. Era o dono da loja qual os dois visitaram e, por ser o dono, ficava lá dentro só o tempo necessário - havia gente que trabalhasse para ele. E o que era melhor, o pagamento não era feito em dinheiro. Gordo era o cara mais desenrolado que já se pôde existir.

- Gordo! Cara! Quanto tempo! - ele o saudou com tapinhas nas costas.
- Will! Ô, rapaz, você por aqui! - a recepção do Gordo foi instantânea - Há quanto tempo digo eu! Finalmente resolveu aparecer, não é?
- Pois é, cara. Andei meio sumido mesmo. Sabe como é...
- Sei, sei. E aí, não vai me apresentar a gatinha?
- Ah - pôs a mão na testa por um segundo, desvencilhando-se da mão dela, que segurava sem nem perceber - Claro, claro. Essa é a...
- A... - continuou o Gordo.
- Amanda. - ela completou.
- Caralho, não acredito que tu não sabe o nome da guria?! Prazer, meu nome é Olie, mas todo mundo me chama Gordo. - pôs uma mão pesada em seu ombro e deu-lhe um beijo na bochecha.
- É, deu pra perceber - ela comentou.

Os dois soltaram uma risadinha abafada. Continuaram os papos enquanto ela prestava atenção neles. Abaixou a cabeça, pensativa.

"Will..Willame. Então esse era seu nome. Só não entendi porquê ele não me disse antes. Acho que esqueceu. E esse gordo..." - e começou seus devaneios.

Will olhava-a, de soslaio, nos intervalos em que o Gordo parava de falar e tragava um cigarro. Ficou com a impressão de que ela não havia gostado do lugar, pelo modo introspectivo como ela olhava para o chão, como se desejasse sair dali. Tirou-a dos devaneios com um convite.

- Topa um sorvete? - sussurou, apoiando as palavras em seu ombro.
Ela levantou a cabeça e, com um aceno, aceitou. Ele desviou o olhar de seus cachos para o gordo e terminou sua conversa com o mesmo.

- Então, depois tu me arranja esses cds, beleza? Tô indo, gordo. Falou!
- Beleza, cara. Falou, té mais. - e trocaram abraços amigáveis.

Os dois sairam juntos, lado a lado. Atravessaram a rua e deram de cara com a tal sorveteria.
Entraram e pediram seus sorvetes. A sorveteria era bem humilde, mas limpa. Coisa simples, nada demais. O sorvete dele era de cupuaçu, o dela de morango.

- Que lugarzinho você foi me colocar pra dentro, hein? - resmungou ela, com cara de poucos amigos. Amanda não via a hora de sair daquele lugar, e isto estava completamente explícito no seu rosto.
- Me desculpa. Esse é o melhor lugar onde se vende cds, apesar da aparência. Tem tudo que eu gosto, e ainda mais esse figura que é o Gordo. Você devia ter prestado atenção à nossa conversa, o cara é muito engraçado. Aliás, sem querer dar uma de curioso, mas já dando, o que você pensava ali?
- Hum... - um turbilhão de respostas veio à sua mente. Ela poderia ter respondido que estava pensando nele, pensando nas suas coxas grossas, comparando-as com as cheias de celulite do Gordo; poderia ter respondido que estava pensando em seu nome, e porquê ele não a disse antes; poderia ter respondido que, apesar do susto que levou, gostou quando ele pegou em sua mão. Poderia ter respondido tudo isso, mas só respondeu: - Nada demais.

A sua resposta foi a chave para o silêncio que se prosseguiu. Só o burburinho das pessoas conversando, quase sussurando, e o barulho do ar condicionado era ouvido por eles. Havia um tipo de vazio estranho entre eles, um silêncio sufocante.

Seus olhares se encontraram de novo - e sua garganta deu um nó avassalador. Ficou impressionada como seu olhar era penetrável, e como ela era vulnerável - e nem sabia que era tanto assim. Sempre se escondeu em sua casca. E agora estava ali, completamente absorta, perdida no mar verde que eram os olhos de Will.

Ele ajeitou-se na cadeira e aproximou-se. Pousou as mãos em cima das dela e, olhando-a, soltou em um sussurro quase imperceptível.

- Lá, eu não peguei na sua mão por acaso.


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Isso eu escrevi com intuito de fazer um conto maior do que esse espaço do blog, só que acabei estancando e quando fui ver agora, até que ficou legal. E nem precisa mesmo ler os outros para entender direitinho. Então, fica asssim, era pra ser uma continuação e não é mais :)