Você se arruma naquela manhã como se estivesse indo para a guerra. A maquiagem é sua pintura de batalha. Olhos com delineado preto, esfumaçado, muitas camadas de rímel. Blush rosa escuro e batom vermelho. Você se prepara como quem vai enfrentar o seu pior inimigo. De fato, ele é o seu pior inimigo, mas também foi o seu amante e melhor amigo.
Você tem vinte e um anos. Já não é mais a adolescente que ele conheceu, alguns anos atrás. Quer mostrar isso para ele, com sua calça legging, blusa transparente estilo quimono e botas de couro. Usa botas de salto para ficar da altura dele. Embora saiba que vai encontrá-lo sentado. Sabe que vai olhar diretamente nos olhos de safira que só ele tem.
Você ensaia no espelho: Nossa, desculpa por ter sumido. Eu estava magoada e não sabia como ia reagir quando te encontrasse de novo, depois daquela noite. Você coloca essa pintura no rosto e essas roupas para chamar atenção, porque sabe que ele gosta. Você sabe que ele sempre foi atraído por você, desde o primeiro dia de aula.
E aí está você, sua vagabunda carente, que adora se envolver com homens mais velhos. Aí está você, com essas roupas de adulta, tentando se igualar a ele, tentando arruinar toda o favoritismo que ele tem. Você sabe o que ele conquistou. Ele mesmo te contou como foi difícil. Agora, ele se tornou o melhor professor da faculdade e você quer arruiná-lo com sua obsessão.
A aula começa e você não presta atenção no que ele fala. Fita-o com olhares de serpente, querendo petrificá-lo. A sua vontade é colocá-lo numa gaiola e levá-lo para casa. Para o seu apartamento, não para a mansão onde ele mora com uma esposa e duas filhas. As filhas que você nunca chegou a conhecer, mas que você viu no perfil dele no Facebook. Você não cansa de visitar o perfil dele todos os dias, mesmo ele nunca tendo aceitado o seu pedido de amizade.
Você sempre quis mais do que amizade. E ficou muito claro para você, quando saíram juntos, que ele também queria. Era só um café, mas virou uma noite de muitas cervejas. Ele disse que precisava voltar cedo, mas acabou indo embora com você. Foi culpa da cerveja, você pensa em dizer para ele, isso não devia ter acontecido. Mentira. Era o que você mais queria que acontecesse.
Você espera pacientemente que todos os alunos saiam da sala. Aproxima-se fingindo que quer falar com ele sobre um assunto da aula. Mas ele sabe que não se trata disso. Você se senta numa cadeira em frente à mesa. Ele também se senta na sua cadeira de professor. O olhar dele está disperso. O silêncio pesa no ar.
Você começa: Ah, merda, me desculpa por ter sumido. Eu não queria que nada disso tivesse acontecido. Bebemos muito. Foi tudo culpa da bebida.
Eis você aqui de novo, tentando destruir o professor do ano. Você sabe que ele é sensível às suas investidas. Ele não responde enquanto você pede perdão, como uma criança que fez algo errado. Aquelas roupas de adulta que você vestiu começam a não fazer sentido. Ele suspira e você sente o hálito dele: cigarros mentolados. Iguais aos seus.
Os olhos dele correm pelos cantos da sala até que encontram os seus. São como dois topázios escuros, severos, mais velhos do que você se lembra. Isso não pode acontecer de novo, ele pronuncia com uma voz firme. A mesma que te mandou tirar a roupa quando vocês chegaram ao seu apartamento naquela noite.
Você sabe disso, mas insiste. Quer alimentar tudo o que sente por aquele homem mais velho. Você o deseja profundamente, uma necessidade antiga que vem se retroalimentando há anos. Sentada, aqui e agora, você é puro vício. Uma obsessão adequada às suas roupas de adulta.
Ele faz menção de se levantar. Alguém bate na porta e abre uma fresta. Ele dá um sorriso amarelo, nervoso. A pessoa na porta se engana e fecha. O silêncio novamente impera entre os dois. Você o encara com olhos de medusa. Ele desvia o olhar, volta à mesa, encara o celular, incomodado.
Ele diz: se você preferir, não precisa mais vir às aulas. Apenas faça as atividades que envio no site da faculdade. Eu não vou te reprovar.
Você sente um frio tomar conta do corpo. Percebe que ele está tentando te afastar, te rejeitar. Você sabe que merece isso, afinal, você que provocou essa história toda com suas investidas depois da aula. Mas o seu desejo é maior. Você reluta: vou continuar vindo, não se preocupe.
Quando ele se levanta, você se coloca de pé logo em seguida e vê que está da altura dele. Olha-o nos olhos, transmitindo o peso da sua necessidade, sua ânsia viciante passando para ele como eletricidade. Ele desvia o olhar novamente, dessa vez mirando a porta.
Mais um aluno abre uma fresta. É a deixa que ele precisava para fugir dali, mesmo sob o seu controle. Mesmo sob o seu olhar de águia por cima dos ombros dele, vendo-o se afastar e fechar a porta atrás de si. Você se vê sozinha na sala de aula. Sozinha, como sempre estará, para o resto da sua vida.
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