quarta-feira, 22 de abril de 2009

A dama de vermelho

Ela me acordou no meio da noite, de um sono tranqüilo. Pegou-me pela mão e me puxou para fora da cama quentinha e quarto escuro. Levava-me a algum lugar que eu não sabia onde, mas não tive medo nem vontade de perguntar. Só a acompanhei.

Quando chegamos, ela parou e virou-se. Deslizou o capuz para trás e fez o casaco vermelho cair no chão, deixando que seus cabelos cacheados e avermelhados aparecessem por cima dos ombros cor de neve. Não se importou em sorrir ao ver minha expressão de total admiração. Ela era a garota mais linda que eu já vira em toda minha vida.

Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ela livrou-se da minha mão e caminhou até uma vitrola que se encontrava no canto da parede. Colocou um disco e uma melodia doce inundou o cômodo.

Voltou a mim. Usava um vestido vermelho lindíssimo, plissado e aveludado. Tinha mangas cheias e deixava a minha parte preferida do seu corpo à mostra: seu busto salpicado de pintas amarronzadas. Parecia uma princesa. Levou-me para o centro do quarto.

Começamos a dança. De vez em quando as pessoas costumam conversar durante uma dança, mas isso acontece geralmente quando não se conhece bem a pessoa. Porém, intimidade era o que não nos faltava, além de ser nossa palavra preferida – sabíamos tudo uma da outra – e, para isso, não precisávamos nos encher de perguntas óbvias. Decifrávamo-nos somente com o olhar.

Dançamos durante muito tempo, a música repetia incansavelmente. Eu apenas admirava seu novo vestido vermelho, reparando em como ele combinava com seu cabelo ruivo e suas infinitas sardas. A pele dela estava ainda mais branca, e eu desconfiava que o brilho que ela transmitia era culpa da lua.

Quando eu dei o último passo, ela parou. De novo, encaminhou-se para ao vritrola e retirou o disco. Depois, voltou-se para mim e me fitou de um jeito que cheguei a sentir frio na barriga. Ela me dizia tudo com nada de palavras.

- Precisa ir. Daqui a pouco eles acordarão – disse ela num tom de voz baixo, mas que não deixou de fora seu sotaque irlandês fortíssimo.
- Eu... – tentei dizer, mas àquela altura ela já me carregava pelo mesmo caminho que me trouxera.

De volta ao quarto, ao chegarmos a beira da cama, eu deitei e ela me encobriu com as cobertas. No entanto, eu tive a chance de dizer, antes que ela fosse embora:

- Obrigada pela dança. Faremos isso mais vezes? – ainda deu tempo de perguntar.
- Sim. – ela respondeu e dentro de mim eu sabia que podia confiar nela. Então, se foi, como o vento que entrava pela janela.

Naquele dia, eu lembro de ter sonhado com ela. No sonho, ela estava ainda mais brilhante. E mais linda. No sonho, eu disse que a amava. Assim, com todas as letras: “Eu te amo, Anna”. Ela me retribuiu com um olhar profundo e, ao mesmo tempo, reconfortante.

Também me lembro de ter acordado tarde demais e tê0la procurado pela casa inteira. Mas eu sabia que era em vão. Sabia que ela voltaria na mesma hora, e me levaria ao mesmo lugar. Mas não esperei. Deixei apenas que ela tomasse conta de mim, assim como tomava todas as noites.


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Escrito para uma amiga minha um pouco antes de ir dormir.