Acontecia que meu pai, antes de tudo, até que era gente boa. Gente boa no sentido de ser um cara legal, atencioso e se preocupar realmente com a família. Isso no início. Como tudo no começo são flores, assim era nossa relação aqui em casa.
Apesar de saber de todas as idiotices que meu pai aprontava – mesmo sem fonte confiável nenhuma, eu desconfiava e tinha aquela pontada de certeza que toda mulher tem – eu ainda sentia muita falta dele. Quando eu era criança, até que ele passava mais tempo em casa. Não sei se era porque eu era a caçula da família, ou se era porque ele ainda conseguia agüentar o casamento. Mas, independente do motivo, nós aproveitávamos muito mais nossos dias juntos. Eu, ele e minha mãe. Meu irmão nem tanto, até porque ele já era velho nessa época, então sempre ficava de fora. Mas nós sempre nos demos muito bem, pelo menos comigo sempre foi bom. Só quando eu comecei a crescer, a ficar mais adolescente e menos dependente, foi que ele começou com essa de chegar em casa tarde do “trabalho”, de faltar os encontros com a minha mãe e (principalmente) de se afastar de mim. Às vezes eu me culpava por ele ter se afastado da nossa família, e isso doía ainda mais. Demorei muito para compreender que eu não tinha nada a ver.
No início, eu não gostava dele. Não aceitava, de jeito nenhum, que ele não passasse mais tempo comigo por excesso de trabalho. Porque, afinal, essa era a desculpa que ele sempre dava. Eu nunca acreditava, na verdade. Dava muito bem para ele voltar para casa cedo e ficar comigo, e com todo mundo lá de casa. Mas ele não parecia querer, ou gostar desse assunto. Sempre estava fugindo. E eu me sentia como uma velha chata que tinha um filho rebelde, insistindo em tentar colocá-lo dentro de casa, mesmo que indiretamente.
Porém, com o tempo, passei a sentir algo que nunca esperei. Algo floresceu na minha alma e no meu coração como um sol num dia de tempestade. Algo que nunca esperei que pudesse acontecer. Eu simplesmente me vi amando o cretino do meu pai.
Mesmo com tudo, ele sempre foi um exemplo raro de vida para mim. Era como meu espelho. Ou alguém que eu me espelhava para viver. Com exceção das coisas ruins que ele fazia, eu adorava o amor de pessoa que era meu pai. Porque sim, ele sabia ser carinhoso e atencioso. Mas não por muito tempo, talvez.
Com o tempo, passei a sonhar com ele. Muitas e muitas vezes me perdia em pensamentos antes de dormir, o vendo chegando e me dando abraços apertados e trazendo presentes. Imaginava como tinha sido o dia dele, como era o seu escritório. Como ele falava, quais eram os seus gestos e como ele ficava mexendo no queixo quando estava preocupado com algo. Tentava recuperar sua voz tão ressonante nos meus sonhos, procurava ouvir um “boa noite” dele no meu quarto. E sonhava como seria se ele fosse o pai que eu imaginava ser, como seria bom se tudo o que nós tínhamos antes de repente voltasse. Como seria se ele não fizesse aquelas coisas ruins, se fossemos uma família que pelo menos se desse bem. Eu me perdia em quimeras e perguntas, exigindo um mundo de paz somente na minha casa.
Diversas vezes eu sonhava de verdade com esse dia chegando. Nos sonhos, eu acordava de manhã e encontrava o meu pai tomando café. Sem pressa. E me juntava a ele na mesa, impressionantemente cedo demais para o meu irmão e a minha mãe não estarem lá. Assim, eu e ele tomávamos café da manhã, e eu sentia seu cheiro de roupa lavada, do perfume que ele usava se misturar ao cheiro forte do café. Éramos somente nós, juntos, uma única vez.