sábado, 19 de maio de 2018

Eu me entrego.


Qual é a forma do vazio?
Quando não há nada, o que sobra?
Quando estou só e não tenho nada a perder, o que resta?

O céu cai sobre mim. É manhã, os primeiros raios de sol começam a surgir, acordando o dia com sua luz e calor. Estou deitada na areia, de braços abertos, olhando. O vento sopra, suave. Não sinto absolutamente nada.

É absurdo acreditar na existência como um vazio. Passamos a vida inteira dando tantos significados aos nossos dias, às nossas atitudes, ao que falamos para os outros. O tempo todo estamos buscando significado, tentando encontrar nosso propósito, nossa missão nesse mundo.

Não há. Tudo que há é um grande nada, sem forma, sem som, sem gosto.
Apenas vazio.

Por muito tempo, eu acreditei que estava dando significado à minha vida. Acreditei que estava correndo atrás dos meus sonhos, que meu trabalho me satisfazia, que eu tinha um relacionamento agradável.

Acreditei que tinha uma vida satisfeita, completa, plena, embora sempre faltasse alguma coisa. Embora sempre existisse outro lugar pra ir, uma nova viagem a fazer, algo novo pra comprar ou até uma nova especialização. Acreditava que essa busca era o motor que me motivava a acordar todos os dias e seguir em frente.

Agora, aqui deitada na areia da praia, olhando o céu amanhecer, percebo como tudo poderia ter sido bem mais simples. Tudo teria sido leve, como essa brisa da praia, se eu apenas tivesse aceitado o vazio que é a minha existência.

Como dar significado a algo que você não sabe definir?

Deitada na areia, olho para a imensidão acima de mim, e a impressão que dá é que o céu me abraça, na sua forma ovalada. O céu me acolhe e envolve todo esse mundo, o planeta terra na sua completude e grandiosidade. Você consegue ver a delicada película que dá forma ao céu?

O amanhecer é impressionante. Uma mistura de cores se apresenta na minha frente, como pinceladas que vão delicadamente sendo colocadas numa tela sem bordas. Não há bordas no céu. Não há forma. Um nada que envolve tudo. Pensar nisso, neste momento, me traz uma sensação de paz. Mas eu sei que essas sensação é passageira, pois se eu for mais fundo, percebo que não há sensação. Não há o que sentir, o vazio me engole.

Ao mesmo tempo, sinto tudo. A temperatura. A brisa. Os raios de sol. Ouço as ondas do mar como se elas estivessem dentro de mim. Se eu fechar os olhos, sinto como se deixasse de existir. Eu posso morrer agora e ainda sim estarei viva.

Em meio a essa imensidão, o vazio não me parece tão assustador como eu costumava acreditar. Na verdade, é até reconfortante. Meus pensamentos vêm e vão, eu os deixo serem levados pelo vento, deixo-os serem carregados pelas ondas do mar. Tudo está parado, ao mesmo tempo em movimento.

Há uma incrível sensação de paz quando não há nada para fazer ou nenhum lugar onde estar.
Há paz quando toda culpa e pesar do passado se transformou num sonho que eu já nem lembro mais.

Até essas palavras aqui parecem pesadas para o que vivencio neste momento. Elas tentam dar forma ao vazio. Tentam explicá-lo, conceituá-lo, defini-lo. Não há definição.

Eu sinto minha existência se complementar com a areia. Com os raios de sol, agora mais quentes. Com as nuvens no céu e a brisa. Fecho os olhos e sinto meu corpo leve. Sinto meu respirar, suave.

Tudo está parado e ao mesmo tempo tudo é vida.

Uma sensação incrível de alegria me inunda. Eu não tenho nada. Não quero ser nada. Minha existência é completamente sem importância. E isso é incrivelmente libertador. Eu sou como uma brisa leve, sem forma, sem gosto, ao mesmo tempo se adaptando a qualquer ambiente. Misturando-se ao que é apresentado aqui e agora. Tomando a forma que for necessária no momento. Eu não sou nada além desse movimento que inspira e expira.

Canso de tentar definir o que sinto em raciocínios. Canso de tirar conclusões. Este momento é único, como todos os momentos da minha vida. Tudo o que vivi, se transformou num sonho, cujas partes eu lembro só algumas. Todas as projeções que crio para o futuro também parecem sonhos, momentos que eu não vivi, mas minha mente experimenta, baseado no que tenho de referência na minha memória.

A única coisa que pode importar, de alguma maneira, é este momento.
Aqui, agora.

Estou deitada na areia de uma praia deserta e o vazio toma conta de mim.
Tudo está vazio e ao mesmo tempo cheio.

Eu me levanto. Grãos de areia voam por mim, pinicando minha pele e o meu rosto. Eu respiro. O sol agora está mais visível no horizonte. A luz ilumina e esquenta minha pele. Eu tiro a roupa. Caminho ao mar, um pé depois o outro. As ondas molham meus pés. Caminho para dentro, sem olhar para trás. Uma onda mais forte tenta me derrubar. Eu resisto e sigo em frente. Mais fundo. Sinto meu corpo ser levado com o movimento das ondas. Mais fundo. As ondas fortes me derrubam, e eu só me deixo levar. Levanto-me e sigo a caminhar para dentro do mar. Mais fundo. As águas cobrem meu peito, meus pés se afastam do chão. Eu me deixo levar por aquele momento. Meu corpo é leve. As ondas me carregam sem destino certo.

Eu me entrego.