Assim que voltou da lanchonete com a mamãe, chegou em casa doida por um banho. Mas tava de saco cheio de banho normal, de luz de banheiro amarelada e cor do azulejo marronzada. Então, a partir de um momento, resolveu superar seu medo do escuro e tomar banho à luz de velas. Não, não havia faltado energia nem nada. Apenas desligou a luz branquela do quarto . Pôs duas velas na divisória banheiro-chuveiro. Apagou as luzes. Tentou ligar o som, mas não conseguia, portanto, contentou-se com o mp3 do celular. Colocou-o em cima das gavetinhas porta-trecos do banheiro. Olhou-se no espelho e apagou a luz do banheiro.
"Que efeito..." - Pensou depois do feito. O banheiro incrivelmente mudou de cor, ficou mais azul, mais escuro, algum lugares pretos. "Como nunca fui notar isso?".
Amarrou o cabelo num rabo-de-cavalo, colocou o mp3 pra tocar, e foi tomar banho. A voz do Mauro Motoki entrava na sua cabeça, enquanto ela cantava e dançava, sentindo as gotas do chuveiro descerem e escorregarem pelo seu corpo.
"Abraçada ao seu caderno espiral
Pouco antes do inverno era frio
Mas fazia sol
Quando veio já pegou na minha mão
Foi tão bom te encontrar ali no meio da multidão
Te conheci
E morri de rir da tua risada
Mal percebi que além de ti lá não via mais nada"
Sempre, nessa parte da música, ela tinha a mania de imitar uma risadinha de criança. E dessa vez não foi diferente. Riu e riu. Como criança, imitou a voz, até o fim da música. A próxima já estava pra começar.
Ela pegou o sabonete enquanto a música terminava. Esfregou-o na mão e a voz - quase de surpresa, pois ela não sabia a seqüência que as músicas estavam - da Vanessa Krongold começou:
"Quando você disser que o longe é um lugar que não existe
Se lembre também de me dizer onde é que você vai estar, então
Quando eu te quiser
Quando eu te quiser
Quando eu te quiser
Esteja em casa, esteja na sala de estar"
Com os olhos fechados, passou o sabonete pelo pescoço, sentindo a espuma molhar um pouco seu cabelo. Passou pelos ombros, ensaboou os braços, as mãos, o rosto. Logo, pra não irritar os olhos, molhou o rosto e também os braços, ombros, pescoço. Pegou de novo a pedra ensaboada e, fazendo muita espuma com as mãos , massageou o colo, os seios, a barriga. E a Vanessa continuava:
"Eu tenho um mundo inteiro pra salvar
E pensar em você
É kriptonita
Você é tão bonita
De se admirar
Tão bonita"
Por incrível que pareça, esse verso em especial a deixava com uma boa auto-estima. Quase inevitavelmente, segurando o sabonete, passou pelas coxas e - por quê não? - pelo seu sexo. Sua sexualidade sempre tinha um papel forte no banho. Era uma de suas "fantasias". Uma de suas vontades não realizadas da maneira correta, da maneira como imaginava. A voz da cantora entrando nos seus ouvidos, a semi-escuridão do quarto, tudo fazia um clima especial. Só não tão ideal pelo fato d'ela estar sozinha.
As mãos foram escorregando delicadamente e naturalmente pelas suas coxas, e, no fim da música, quando Vanessa repetia o refrão, ela terminou de se ensaboar. A música que veio em seguida era uma de suas preferidas:
"Se o gramado ao lado
Todo esverdeado
Parecer melhor que o seu
Tome mais cuidado
Com este mal olhado, não venha cuspir no meu"
O ritmo a embalava, animava e ela dançou de novo. Lembrou-se do show, ainda estava namorando na época, mas nem ficou lamentando-se por isso. No show, lembrou-se, a banda interagiu com a galera e ela gritou "A casa está cheia de flores e você nem percebeu" junto com todos. Nesse momento, ela fez o mesmo, soltou um grito enorme que por pouco não chamou atenção da vizinha. Pôs a mão na boca, sentindo a altura qual o grito proporcionara e olhou em volta. Nada, graças.
Os riffzinhos de guitarrinha do fim entraram em sintonia assim que ela desligou o chuveiro e acabou o banho. Saiu do chuveiro, pegou o celular, desligou o mp3, apagou as velas, caminhou até o guarda-roupa, pegou seu pijama rosa de ursinhos, vestiu-o. Tudo nessa ordem e no escuro. Depois de vestida, escancarou a porta do quarto, caminhou até o sofá da sala e assistiu TV até ficar com sono e ir dormir no seu quarto.