Quando ela desceu do avião e entrou na cidade, não deu tempo nem de abrir os olhos e contemplar a paisagem. O táxi já a estava esperando, com ele na porta, segurando-a, permitindo sua entrada. Ainda bem que ficaria naquele lugar o tempo necessário pra aproveitar as belezas da cidade fria e úmida.
Assim que ela chegou, depois de jogar (literalmente) suas malas em cima da cama do hotel que ele já havia reservado, saíram quase que correndo e foram direto à casa de shows dali perto. A bandinha preferida deles estava começando sua entrada, quando eles finalmente conseguiram entrar e chegar um pouco mais perto do palco. Quando se aproximaram, a banda começou a entrar devagarzinho, deixando a vocalista por último, como de costume. Começaram o show.
O pessoal que estava ao redor dos dois não parecia muito interessado neles. Quem se importava com isso? Queriam mesmo era aproveitar o show.
Tudo ocorreu como deveria ter ocorrido. A bandinha tocou; se despediu e sumiu por detrás do palco. Eles não pareciam querer acreditar que havia acabado, ficando então até tudo ser retirado do palco e quase os expulsarem da casa.
Então eles saíram e seguiram até o hotel de onde haviam deixado as malas dela.
Voltaram de táxi.
Ela entrou no quarto depois dele e fechou a porta com o calcanhar. Largou a mochila portátil no chão e caminhou até sua mala, abrindo-a e pegando uma toalha, um sabonete, o pijama de ursinho e pantufas. Correu para o banheiro.
Ele sentou-se na cama e tirou os All Stars. Ficou observando um minuto ela que, por ser tão apressada, tinha derrubado o sabonete sem nem perceber. Pegou-o e o deixou no mesmo lugar de onde viera. Deitou-se na cama e a esperou terminar o banho para chegar a sua vez.
Quando ela abriu a porta do banheiro, sentiu logo o cheiro de sabonete.
- Hmm... Pelo jeito alguém aqui tomou banho antes de sair – e olhou pra ele esparramado na cama.
- Sempre é bom, não é? – comentou com um sorriso.
Fechou a porta sem trancar. O banheiro parecia limpo e era bem branco, com um espelho redondo na frente, na parede em cima da pia pequena e limpa. Não se olhou muito pra não tomar um susto. Pegou seu creme pra retirar a maquilagem e passou no rosto. Limpou com papel higiênico e entrou no Box.
Seu banho não demorou mais que uma hora, porém ele já estava quase impaciente. Bateu na porta duas vezes, alegando que estava apertado e nojento.
- Acho que preciso de um banho.
- Já estou indo, já estou indo, sempre respondia. Quando saiu, deu pra sentir seu cheiro invadindo o quarto.
- Hmm... Ótimo perfume o seu.
- Não é perfume, bobo, só o sabonete.
- Sei – fez uma cara e entrou no banheiro.
Seu banho também não demorou muito, mas quando saiu de lá viu que ela já estava dormindo. Ficou assistindo-a como se nada de ruim pudesse estragar aquela visão. Linda, linda ela era por si só e gostávamos das mesmas coisas. “Nem parece verdade”
– pensou por um instante. Deitou-se na cama e desabou num sono tranqüilo.
- Corre, corre, corre! – ela gritou. Olhou no relógio do criado-mudo ao lado. Não passava um pouco mais de meia-noite. Não sei como, mas havia tido um pesadelo. Acordou assustada, ofegante.
Levantou-se da cama, tossiu sem querer, abafado. Olhou pra ele e viu que estava com frio, pois estava virado de lado e todo encolhido. Pegou seu edredom e o cobriu até o pescoço. Olhou pelo quarto e estava escuro. Caminhou até a varanda, afastou um pouco as cortinas e abriu as janelas enormes, fazendo um barulho fino. Parou um instante e voltou o olhar pra ele. “Ufa, não o acordei!” – pensou.
Encostou-se no vidro que dava pra rua e a protegia de não cair. Ficou observando os carros passarem, os prédios ali por perto e toda aquela cidade fria. A neblina, por um momento, havia sumido, e ela conseguia ver quase tudo ali por perto. Em um instante, olhou pra cima e viu que o céu não estava claro – lógico – mas dava pra ver algumas estrelas e a lua brilhando, quase iluminando todo o quarto.
Contemplou todo aquele espetáculo da natureza. Como tudo aquilo podia ser tão belo e ao mesmo tempo tão assustador? Ficou pensando em tudo o que podia haver naquele lugar tão distante, longe e excluído de qualquer ser humano. Será que lá em cima havia amor? Amor, crianças e flores? Será que tudo era igual como nós somos, ou era só um monte de explosões coloridas?
Continuou pensando nisso por alguns instantes, até quase tomar um susto e quase dar um pulo por sentir duas mãos envolvendo sua cintura. Mas ela não fez isso, de tão hipnotizada que estava. Apenas encostou-se no peito do que a abraçara.
Ele percebeu a luz entrando no quarto e acordou devagarzinho, espremendo os olhos e contrariando o rosto, deixando a mostra algumas falsas rugas. Levantou-se da cama afastando os edredons que não lembrara de ter se envolvido, e percebeu que as pantufas dela estavam no mesmo lugar, então decidiu não colocar seus chinelos também. Foi andando até a varanda e viu que a janela estava entreaberta. Abriu-as um pouco mais pra dar passagem, mas sem fazer barulhos e abraçou-a.
Sentiu seus cabelos curtos no seu rosto e viu que ela olhava pra cima, hipnotizada. Passou a olhar pra cima também e a observar tudo aquilo. De certa, estariam pensando nas mesmas coisas, as mesmas dúvidas e, o que é melhor, qual seria o grande mistério de tudo aquilo.
Por estarem tão juntos, quase trocaram informações por telepatia. Os dois encostaram os rostos um no outro e, por sorte, a barba dele estava pra fazer - coisa que ela adorava – arranhando superficialmente o macio das suas bochechas. Ela abaixou um centímetro a cabeça e virou pro lado do rosto dele. Soltou um beijinho estalado em sua bochecha, e, reciprocamente, ele fez o mesmo. Abraçou-a mais forte e virou seu rosto de lado, delicadamente, com uma das mãos.
Ficaram se olhando durante quase um minuto, até ele naturalmente relaxar sua boca na dela.
Terminaram a noite assim: abraçados e, carinhosamente, relaxando um lábio no outro. E tudo isso a luz da lua que quase iluminava todo o quarto.