Eu quero ser inocente. Quero ser uma criança feliz, brincalhona e chorona. Quero retornar a ingenuidade daquela idade tão boa, sem estresse algum ou sequer uma responsabilidade. Quero ter um único dever a ser cumprido: o de brincar, de se melar, de correr pela rua, de andar de bicicleta, de me divertir o dia inteiro.
Talvez eu fosse uma criança que também apreciasse as noites de primavera. Não as noites frias de inverno, porque aí todas as minhas amigas estariam doentes, e eu também, provavelmente. Mas as de primavera, que são as mais curtas, porém as mais ventiladas. E eu brincaria, sim, o dia inteiro. E ficaria cansada, sim, à noite. Mas elas nunca deixariam de ser minhas.
Depois de uma manhã ensolarada, uma tarde cheia de brincadeiras e tarefinhas de casa e um pôr-do-sol assistindo ao programa de sempre, eu jantaria e iria brincar até a hora de ir para cama. Cansada, eu apreciaria o conforto da espuma do meu travesseiro e me enrolaria no lençol cheiroso, lavado à mão pela minha mamãe.
E a noite seria minha mais uma vez. Eu sairia escondida, a curtos passinhos de ponta de pé, passando pela cozinha, atravessando a sala e correndo para fora de casa. Lá fora, todos os meus amigos se reencontrariam, brilhantes na luz da lua cheia. Os postes, já ligados por causa da hora, só faziam com que todos nós vissemos um palmo além do nosso alcance. Os meninos jogariam bola, como sempre. E as meninas, como eu, estariam brincando de casinha de bonecas na calçada. Ou talvez todos nós brincassemos de esconde-esconde, pega-pega, como às vezes acontecia.
A nossa inocência convidaria um músico para participar de nossas brincadeiras. Ele viria com seu violino pendurado nas costas, os cabelos ondulados encobertos por um chapéu. A sua barbicha me encantaria, tão bem desenhada no seu rosto. E seus olhos, de um castanho tão fortes, parecendo a casca de árvore da vizinha, me apaixonariam. Ele sentaria ao meu lado e, tirando o violino da caixa, ele tocaria para mim. Para nós. Para todos meus amigos de infância.
Eu, sentada, com meu vestidinho de filó, ao lado de um homem tão maduro... Talvez isso me assustasse. Mas não. Só me deixaria mais embalada pela sua música, em plena madrugada, e por sua beleza. Seu cheiro misturando-se a brisa vinda do mar, a música cavalgando pelos meus ouvidos, como se me levassem a um lugar sobrenatural. Impossível de não se amar.
Assim, eu estaria apaixonada mais uma vez. Apaixonada pelo homem que me conquista, todas as vezes que deito minha cabeça no travesseiro, e deixo-me levar pelos seus encontros no meio da madrugada. Volto ao amanhecer para casa feliz da vida, e encaro o meu corpo com um sorrisinho de felicidade no rosto. Deixo-me deitar nele, a nossa felicidade serena nos inundando, provocada por esse Deus da Madrugada.
Todos os dias acordo apaixonada pela madrugada que virá no outro dia.