quarta-feira, 1 de julho de 2009

A garota da biblioteca (por falta de título melhor)

Ela sempre estava lá quando eu aparecia. Era uma coisa de louco, aquela menina. Tinha cabelos pretos longos, um rosto meio redondo, olhos grandes e castanhos, e - o que mais me deixava louco - um piercing na língua. Ela vivia colocando a bolinha para fora, por isso eu sabia. Ninguém dizia que aquela garota, tão gata, tão bem feitinha pudesse passar tanto tempo numa biblioteca cheia de mofo como aquela. Mas passava. E eu também.

Nunca me dei bem com as garotas. Também não chega a tanto de nunca ter beijado, mas ainda sou virgem. E isso, na minha idade - atualmente com dezessete anos - chega a ser um problema meio sério. Principalmente estudando num colégio particular e puta caro, e ainda mais tendo amigos que já fizeram tudo (e mais um pouco). Bem, é difícil, mas eu não podia simplesmente chegar em qualquer garota e perguntar. Elas iam me dá um tapa na cara (digo isso por experiência constrangedora, porém própria). Então, ficava na minha, imaginando quando seria a minha hora e com quem seria a garota.

Ela parecia perfeita. Sempre estava ali, seu cabelo solto balançando para lá e para cá. Seu andar era uma coisa de louco, muito charmoso, eu sempre me empolgava quando ela passava caminhando ao mudar de seção. Parecia que ela dançava no ar, e seu cabelão acompanhando, como se ela tivesse um ritmo próprio. Eu era fascinado por aquela menina, e nem sabia o seu nome! Coisa de louco, digo mesmo.

Um dia, a coragem parece que me atiçou, e eu fui à biblioteca destinado a falar com ela. Aquele era o dia, eu iria lá e chegaria nela e perguntaria... O quê? O que se pergunta a uma mulher bonita como aquela? Eu não fazia idéia do que ia falar. Mas tinha que me aproximar, de qualquer jeito. Meus amigos já sabiam da dita cuja, e ficavam o tempo todo me pressionando. Se eu não a chamasse logo para sair, ou ao menos descobrisse seu nome, seria taxado de covarde com toda certeza.

Então, cheguei, sentei e fiquei no mesmo lugar de sempre. Peguei um livro qualquer e fingi que estava estudando, mas de vez em quando olhava para a porta, procurava entre as pessoas do lado de fora, onde estava aqueles olhos castanhos e cabelos pretos? Quando eu estava quase desistindo, olhei mais uma vez, então ela entrou, com aquele gingado, aquele andar. O vento batia no rosto e levava seu cabelo para trás, dando ainda mais encanto a minha fantasia surreal. Caralho, como ela era gata.

Eu esperei que ela ficasse confortável na biblioteca, finalmente demorando-se no departamento que escolhera. Era sempre assim: ela chegava e ficava horas escolhendo um livro. Geralmente levava para casa, nunca lia ali. Talvez não gostasse do tanto de gente que tinha por lá - era sempre todo mundo estudando, espirrando e a mulher pedindo silêncio. Então, quando ela parou (finalmente!) e ficou a escolher um livro, eu me aproximei.

Ela segurava um livro de um escritor americano.
- Dizem que Hemingway foi um dos melhores escritores americanos que já existiram.
- Sério? - Ela olhou para mim - Não conheço ele.
- Pois é. Esse aqui, - apontei o livro que ela segurava - Por Quem Os Sinos Dobram, não é? É aquele tipo de romance que nenhum americano deveria deixar de ler. Sabe esses clássicos formadores de opinião?
- Sei, sei bem.
- Pois é.
- Como você sabe disso tudo?
- Er... Eu leio bastante.
- Sério? Não tem cara. Eu nunca te vi por aqui. Você é novato?
- Entrei ano passado. Mas estou sempre aqui, sempre sentado ali - apontei para o lugar onde eu sentava sempre.
- Ahn. - ela ascentiu com a cabeça e voltou a escolha dos livros. Tentei não perder o assunto:
- O que você gosta de ler?
- Hum, não sei. Qualquer história que se mostre interessante é bem vinda.
- Sei. Olha, eu tenho uns livros em casa de ficção e fantasia. Você gosta, do tipo, As Crônicas de Nárnia e coisa do tipo?
- Ah, sim. Gosto sim, já li todas as Crônicas de Nárnia.
- É, eu tenho uns parecidos. Se você quiser, a gente pode ir dá uma olhada lá.
- Hum... Tudo bem, então. Deixa eu só pegar a minha bolsa.

Cara, eu juro que na hora não deu pra acreditar. Ela tinha aceitado ir a minha casa! Ver meus livros! Gostava de Nárnia! Nunca conheci garota nenhuma que gostasse de Nárnia! Geralmente as meninas que os meus amigos se relacionavam mal gostavam de ler, e se gostavam era aqueles livretos idiotas com histórias de mulherzinha. Mas ela, ela gostava de fantasia! Eu sabia, eu tinha o livro certo para ela. E agora ela ia comigo! Para minha casa! Quase enlouqueci, juro por Deus.

Então, caminhamos para minha casa - não era tão longe assim do colégio. Ao chegar lá, ainda era cedo, e eu a convidei para ficar até o almoço. "Tudo bem", ela disse, e percebi um pouco de timidez ali. Ficamos no meu quarto e juro, amigos, eu não tentei nada. A gente ficou só discutindo sobre livros, literatura, e descobri que ela era muito parecida comigo - gostava de livros de fantasia e filmes de terror. Cara, esse tipo de garota não se encontra fácil, sério. Ah, se vocês querem saber, o máximo de contato que tivemos foi quando perguntei:

- Você já se perguntou porquê gosta tanto de ler? Assim, quero dizer, para muitos, ler é uma perda de tempo. Então, tem que ter um porquê de nós gostarmos tanto de perder tanto tempo nas páginas de um livro, não é?
- Sim, e já pensei sobre isso. - respondeu ela naquela voz doce - Eu leio porque não tenho ninguém, porque sobrei no mundo, não tenho namorado e mal tenho amigos. (Depois fui descobrir que a família dela se mudava muito) Então, já que não posso me apegar a ninguém, me apego aos personagens dos livros, porque estes eu posso levar para qualquer lugar.

Uma boa resposta, concorda? Eu digo a vocês que fiquei talvez uns dez minutus pensando nisso. Cara, como ela era fantástica. É, parecia que eu estava realmente apaixonado. Os caras não iam gostar disso, eles sempre dizem que homem não se apaixona, só pega por pegar, porque era assim que as mulheres gostavam. Eu não concordo, aquela sensação de estar perto dela era ímpar, sem igual.