sábado, 9 de julho de 2011

Casas coloridas e ruas molhadas em noites agradáveis

Há algum tempo não escrevo histórias assim, ainda mais grandes. Me desculpem.
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Parecia que ia chover. O céu estava nublado, cinza, e a lua refletia através das nuvens. Ela desceu no centro da cidade e esperou no lugar marcado. Poucas pessoas passavam, olhando-a de longe, através dos vidros dos carros e dos capacetes das motos. Alguns minutos, ele chegou. Subiram uma ladeira escura, adormecida, com lojas e casas comerciais que pareciam ter levado chuva há poucos minutos. Ninguém na rua - talvez um ou dois grupos de pessoas pelas esquinas. Passaram por uma praça bem ornamentada, com bandeirinhas coloridas penduradas pelas árvores, pelos postes e telhados das casas. Dobraram à direita, numa rua cheia de casas coloridas e no mesmo formato (baixas e retangulares). As ruas molhadas, a vizinhança adormecendo, e eles entrando no grande condomínio deitado.

Numa casinha amarela de teto baixo eles entraram por uma grade e lá dentro ela descobriu que aquelas casinhas reservavam condomínios inteiros, como se fossem grandes prédios deitados. Caminharam por um longo corredor e subiram dois lances de escadas. Passaram por grades fechadas de luzes acesas nos apartamentos dos corredores, até chegarem ao último da fila. Um degrau dividia o chão da entrada do apartamento e ela entrou primeiro. Sentou-se na cadeira do computador, enquanto ele preparava a bebida. Serviu-a num copo pequeno e enquanto preparava um prato com batatas em conserva, limões e pepinos cortados em pedaços, ela o observava. Ele deve saber tanto sobre si mesmo, morando sozinho por tanto tempo, pensou ela. Tomou um gole do líquido transparente, forte, bom. Ele serviu o prato na mesa onde ficava o computador e pôs um disco para tocar. Ela olhou ao redor da pequena sala, que também servia de cozinha. Uma grande estante de livros tomava o lugar da parede que dividia a sala do quarto, um sofá estava ao lado da mesa de trabalho, onde ficava o computador. Ele sentou-se no sofá. Conversavam sobre literatura, ele mostrava suas relíquias, livros antigos e coleções clássicas de histórias em quadrinho. Nomeavam escritores, desenhistas, quadrinistas, poetas, e grandes figuras da geração beat.

Nem mesmo quando ficavam em silêncio era desconfortável. Não sabia se era a bebida, mas ela sentia-se mais em casa, na casa dele, do que na própria casa. O telefone dele tocou, e em pouco tempo um garoto nerd de camiseta branca entrava na sala-cozinha. Ela cumprimentou-o, ele serviu mais uma dose da bebida para o garoto nerd de camiseta branca, e eles conversavam - agora, sobre música. Enquanto ela bebericava ainda seu primeiro copo, ele já ia no segundo. O nerd de camiseta branca rejeitou o líquido transparente, e às dez horas e alguma coisa, os três deixaram a estante de livros, os pepinos, as batatas, os discos, as grades e os prédios deitados.

Ao dobrarem a esquina de uma rua asfaltada, subiram a ladeira que formava a praça principal do centro histórico da cidade. Casas coloridas e não molhadas estruturavam-se nas laterais da praça, e vários rostos, sons e carros movimentavam o lugar. Música, conversas, risos e sons de vômitos perpassavam por eles enquanto subiam à esquina e encontravam um casarão rosa com vários grupos de pessoas na frente. Pessoas, garrafas de vidro e plástico, copos grandes e pequenos saiam e entravam da casa rosa, que servia de casa de shows e bar. Os três - ele, ela e o nerd de camiseta branca - se sentaram numa mesa de plástico amarelo e conversas estranhas, idas ao banheiro e copos com cerveja aconteceram naquela mesa, naquele lugar, por algumas horas.

A noite acordou, o céu estava limpo e a lua incandescia os postes de luzes amarelas. Os três conversavam, a maior parte do tempo, sobre música e sexo. Era interessante conversar sobre experiências masculinas, pensou ela. Sempre é, porque você pode aprender muito com eles. Tanto que tudo o que você sabe veio disso. Os ponteiros cercavam os números nos relógios e o tempo escoava pelas cervejas quentes derramadas e piolas de cigarros jogadas no chão, carregadas pelo vento até o fim das ruas. Ela queria muito ir ao banheiro. Exatamente na hora que uma garota estava saindo da casa rosa de esquina, ela entrou. Mijou por muito tempo, saiu, lavou as mãos e caminhou de volta à lateral da casa, onde estavam seus amigos.

Não sabia por qual motivo, mas estava com a frase "Afinal, somos amigos" na cabeça desde que os convidara para curtir uma noite juntos. Há algum tempo não faziam isso - complicações não permitiam que os três se encontrassem e ficassem juntos, numa roda de conversa natural, normal - coisas que não vinham ao caso naquele momento, nem precisavam ser relembradas. Não chovia e não fazia calor - estava um clima agradável na noite e entre eles e naquela parte histórica do centro da cidade, até mesmo nas bebidas. Somos amigos e estamos curtindo uma noite agradabilíssima, pensou ela. Apenas isso.

As horas cresciam e a noite começava a ficar com sono, e quando as três horas da manhã chegaram, eles decidiram voltar para casa. O nerd de camiseta branca foi no caminho contrário, enquanto eles iam pelo mesmo caminho que chegaram. Não davam as mãos, apenas conversavam - sobre a noite, o centro, as prostitutas, os bordéis - e música, bebidas, literatura, até chegarem novamente ao apartamento dele.

Como as coisas devem ser, sem nenhum beijo roubado ou surpresas, eles entraram no quarto. Ela não viu nada da mobília, apenas deitou na cama e deixou que ele tirasse sua roupa.



Amanhecia e o sol fraco das seis da manhã entrava pela cortina da janela acima da cama. Ela levantou-se, foi ao banheiro e mijou por quase dez minutos. Ele acordou e ficou olhando-a nua caminhar pelo quarto. Confortável, era a palavra que vinha à mente dela. Não tinha vergonha de ficar assim na frente dele - esse sentimento, na verdade, ela já o perdera há algum tempo. Mas especialmente naquele apartamento ela sentia como se estivesse no próprio quarto, com todas as suas coisas - coisas que faziam parte dela, não só eram dela. Ela sumiu da vista dele quando dobrou na esquina da estante de livros. Completamente nua, ela lia os nomes e títulos dos livros no último andar da estante, quando ele abraçou-a forte pelas costas e deu-lhe um beijo na nuca.
- Quer café?
Ela assentiu.
Colocou água num bule antigo, enferrujado, que em poucos minutos já estava apitando. O café estava forte e ela sentou no sofá, enquanto ele desaparecia atrás da estante. Voltou carregando um violão marrom, de cordas de aço, e deixou o instrumento ao lado dela, no sofá. Serviu o café em duas xícaras e entregou-lhe uma. Sentou, tomou um gole, colocou a caneca na mesa e pegou o violão.

Ela pensou com quantas meninas ele fez aquilo. Pensou em quantas devem ter passado pela vida dele, pela cama dele, suado sobre o corpo dele. Então pensou que aquilo realmente não importava, e percebeu que para ele, todo momento é um momento. Percebeu que, para ele, toda mulher é diferente e todo momento passado com cada uma delas é único, do jeito que deve ser. Cada pessoa tem sua especialidade, e aquela era a dela - sentir-se confortavelmente nua tomando café e vendo-o dedilhar no violão uma bonita e delicada melodia.          

O calor do café esquentava seu rosto, e a vizinhança começava a acordar. O sol entrava pelas janelas, através das cortinas. Eles continuaram ali, sentados, nus, um de frente para o outro, bebericando café e entornando músicas antigas num violão antiquado.