Acordei tarde e vi o vuco-vuco dentro de casa. Tinha acontecido algo, e eu, claro, sempre muito impertinente tinha de perguntar até cansarem e finalmente me diserem o que estava acontecendo. Desde pequena, já estressada. Lembro que dormia no segundo quarto, o menor depois do da empregada, o do meio, que agora dorme meu tio [insuportável]. Meio atordoada ainda por causa do sol, do calor, do movimento e do sono, estava de fraudas ensopadas e chamei minha mãe. Ela tava toda arrumada e nervosa. Não lembro de vê-la chorando, mas aparentava mais nova e mais alta do que hoje. Levantei e fui até o corredor da sala, nua, quando vi o movimento de gente completamente desconhecida entrando e saindo do quarto maior da casa. Mamãe corria de um lado pra outro, uma mão segurava alguma coisa que não lembro, a outra a minha frauda. Voltei pro meu quarto e fiquei esperando ela chegar pra me dar banho e contar-me o que havia acontecido.
- Que aconteceu mainha? Porque tem tanta gente aqui em casa?
Não lembro de certo o que ela respondeu, mas só sei que tratei como um nada a noticia e só fui me tocar depois. Lembro de minha mãe me levar pra creche, qual a filha da dona era minha amiga, e me deixar lá, sentada na calçada, como de costume.
- Que foi hein? - a filha da dona da creche me pergunta.
- Não sei direito, acho que minha avó morreu.
Silêncio pairando no ar. Momentos lembrados como de repente. Um 'filminho' passando pela minha cabeça. Era triste lembrar daquilo tudo, perdido. Me senti ao léu, completamente sem chão.
- Minha vó... morreu. - sussurei.
Chorei calada durante uns 30 minutos (ou mais), depois não lembro mais. Certamente a dona da creche me pegou pelo braço, por causa da minha esperniação de costume e me levou pra dentro, não tendo que explicar nem incomodar mais ninguém. Tinha oito anos e me senti sem chão pela primeira vez. Me senti humana, viva, mas morta ao mesmo tempo. Como se tivessem arrancado de vez algo de mim. Não lembro mais de nada do que aconteceu.