terça-feira, 4 de agosto de 2009

Apartamento Vazio

Cara Larissa,

Este lugar está fedendo a mofo. Todos os móveis foram doados ou vendidos ou leiloados, mas o pó, a poeira, ainda repousa grossa sobre a bancada da cozinha e envolta do seu armário embutido. Ou eu diria nosso armário? Não sei mais, Larissa, não sei de mais nada.

Muita coisa aconteceu desde aquele tempo. Eu ainda não sei por que me deu a louca de parar aqui hoje. O porteiro mudou, a nossa vizinha, aquela velhinha de óculos fundos de garrafa, lembra? Ela também mudou. O prédio está todo estranho, nem parece que vivemos aqui por tanto tempo. Tempo suficiente para deixar mofo no chão da sala vazia.

Você já sabe, mas não posso deixar de dizer: estamos vendendo o apartamento. É engraçado como, ao dizer, essas palavras fazem toda a diferença. Provavelmente vem algum corretor que não conhece nem um pouco da história dessa sala, ou de nosso banheiro, ou mesmo de nossa cozinha. E prefiro nem lembrar do nosso quarto. O novo porteiro disse que casas nessa região estão faturando.

É estranho quando alguém vem comprar um apartamento seu. Nenhuma dessas pessoas sabe o que realmente aconteceu entre aquelas paredes, e os antigos móveis que aqui ainda restavam. Agora não há mais nada. Somente um grande vazio e o seu coração.

Eu disse que ia te tirar daqui com ele (o apartamento) assim, do jeito que está agora. Mas as coisas se antecederam, fora do esperado. Ao menos do meu esperado. Aquela tarde dolorosa que te vi fechar a porta atrás de si, o saber doído de que você não mais iria voltar. O ar ficou pesado, eu mal conseguia respirar enquanto você falava aquelas coisas na minha frente. Escrevendo esta carta, estou sentado no mesmo banco que estava aquele dia. Eu não conseguia respirar. Ainda não consigo.

E tenho certeza que não é porque a janela está fechada, porque a porta está aberta. Na verdade, não sei se suportaria ver essa porta se fechar novamente. Estou imaginando a batalha que será para eu sair daqui. Não por tudo que está aqui dentro. Isso eu aprendi que não adianta "não querer".

Não quero lembrar, não quero falar, mas é impossível. Ainda te vejo com aquele olhar decidido, encarando meu olhar incrédulo. Lembro-me de suas palavras finais: "tudo bem, está tudo bem, você pediu por isso". Eu nunca entendi.

Afinal, você foi embora, e esqueceu do presente que deixou aqui. Lembra? Você disse que o deixaria aqui toda vez que saía para trabalhar, para que eu me lembrasse que você estaria sempre aqui, nunca iria embora. Era minha garantia. E agora? Onde está? Eu acho que você esqueceu onde deixou seu coração.

Às vezes fico me perguntando se você ainda se lembra de tudo. Em algum lugar da sua memória há de ter um lugar meu, um lugar nosso, um quarto quadrado e branco com uma cama igualmente branca no meio. Dói quando você pensa em mim, assim como ainda dói para mim? É normal você ainda estar chateada com algo que nem lembro mais o que foi? Tanta bobagem, tanta besteira... Fica cada vez mais difícil quando você não sabe o porquê.

Então, eu espero que, ao ler essa carta, você ainda corra. Corra desesperadamente. Porque eu não estarei mais aqui. Nesse apartamento ficou uma história triste demais para dar continuidade. Vou montar um apartamento novo com paredes brancas, e ficarei lá, esperando que você venha escolher a cor, escolher os móveis. Quem sabe, dessa vez, não ponhamos a cama na sala? "A cama dá para a porta da frente. Entre e se aconchegue". E onde ficam as histórias? Embaixo do lençol sempre me pareceu um ótimo lugar. Esse apartamento poderia ter uma porta de vidro. Assim, nunca estaria realmente fechada.

Nós chegamos juntos. Mas você saiu sozinha. Eu sei que isso soa clichê, mas pode ter certeza que eu vou estar aqui sempre que você precisar. Sempre que você cair. Só não me tira do espaço reservado que tem na sua memória. Lá é meu lugar, lá é nosso apartamento branco com seu coração no meio. E assim, quando você me ver algum dia de novo, poderá olhar nos meus olhos e ver que ainda podemos ser amigos.

Agora, deixo essa carta. E, junto a ela, o meu coração.


Carlos.

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Texto feito por mim e pelo Sauro.
Inspirado na música Empty Apartment - Yellowcard