São Paulo, 13 de setembro de 2001.
Sabe, Carol, ontem eu senti uma falta repentina de você. De nós. Não que eu pudesse te ligar ou ir ao teu apê (não é assim que chamam agora?). Bem, quem sabe eu não pudesse mesmo. Quem garante que iria te encontrar?
Mas, mesmo assim, senti saudades suas. Veio a lembrança daquelas madrugadas que passamos juntos; foram tantas que eu já perdi as contas. Era tão bom quando saíamos no meio da noite, só a andar em meio a turbulenta cidade de Central do Brasil. Por falar nisso, este ainda é o seu filme preferido? Dia desse eu assisti e lembrei de nossas aventuras pela madrugada. Eu me divertia tanto com seu sorriso.
Uma noite você não quis sair. Bateu na minha porta com uma tosse dos diabos, e eu te fiz entrar com a promessa de que fecharia as vidraças da varanda. “É a poluição” você disse. “São Paulo anda um caos” concordei e te fiz um chá de habu. Eu nunca soube do gosto desse chá, era receita da minha avó oriental. Você não conheceu minha avó. Ela já morreu.
Nessa noite não dormimos. Ficamos no sofá por muito tempo, entre tosses, risos e conversas. Eu passeava meus dedos nos teus cachos sobre a minha perna. Você era só tosse, cachos e meias. Tinha vindo com aquele All Star preto que eu adorava, e talvez cheirasse a chulé por estar molhado. Percebi que chovia. Eu sempre abria as portas da varanda quando chovia, mas não abri aquela noite. Você estava lá.
Então, amanheceu. Eu te fiz adormecer no meu colo, mas você nunca foi muito de dormir. Logo nos primeiros raios de sol que adentrava a sala, você acordou e me beijou na testa. Foi doce. Eu fui à cozinha te preparar um café forte, enquanto você lavava o rosto. A chaleira apitou quando você voltou do banheiro e ficamos na bancada, tomando café com torradas francesas. Percebi que a luz ainda estava acesa e refletia no líquido escuro dento da xícara.
Depois do café, eu te deixei na porta do elevador e te desejei boa sorte e melhoras. Voltei a varanda e não foi preciso que eu te chamasse; você voltou o olhar para o meu sétimo andar e acenou. No entanto, ao invés de acenar de volta, peguei a câmera polaróide e tirei a foto que agora está num porta-retrato na parede em cima da TV. Foi a foto mais bonita que eu fiz.
Depois desse dia, nada mais aconteceu. Eu esperei que você me ligasse, como sempre fazia, marcando aonde iríamos próxima noite. Você não ligou. Daí, nas ultimas instancias, eu tentei te ligar, mas só dava caixa postal, até que por fim deu número inexistente. Decidi te procurar pelos lugares onde você costumava ficar. Apartamento, vendido. Aquele bar, falido. Algumas boates, vazias. Então, procurei no meu ultimo caso, aquele lugar que eu tentei te levar um dia.
Estava cinza, assim como estão todos os dias. Não havia nada para fazer. Fazia tempo que eu não saía com ninguém. Um homem precisa dessas coisas, mais do que a mulher. Eu te chamei. “Se você for eu vou...”. Quando o táxi chegou, eu disse o destino e você corou. Nunca tinha visto você tensa daquele jeito. Chegamos. Entramos. Subimos. Eu juro que não te queria fazer mal algum. Juro e posso jurar até hoje. Cinco minutos, fomos embora. Você não quis ficar.
Deus sabe, o que eu mais quis foi te proteger. De qualquer mal, de todos os perigos da cidade grande. Porém, fui eu que demorei a entender que o maior perigo era você. E a principal vítima era eu. De tanto tentar te proteger, acabei sem proteção. Daí, você sumiu e tudo ficou meio fosco, meio sem sentido.
Eu queria te achar de qualquer maneira. Fiz um anúncio com a foto de você olhando para mim, alto aqui do sétimo andar, essa mesma que ainda está na parede em cima da TV, e pus um aviso de “Procura-se” embaixo. Ninguém viu o anúncio. Não havia recompensa. Mas eu colei em quase todo lugar, postes, lojas, vitrines, carros. Ninguém via. Parecia que os papéis se evaporavam como você.
Fiz isso por muito tempo. Ainda tinha esperanças que você me ligasse ou aparecesse na rua. Passei várias noites na varanda, com o telefone na mão, olhando o transito interminável de São Paulo. E foi numa dessas noites que notei que você não voltaria mais. Então, me afastei da varanda, fechei as vidraças e apaguei a luz.
Os poucos que te viram por aqui, a eles eu fui perguntar do seu paradeiro. Nenhum sabia. Mas disseram que, dos tempos que passou por aqui, mal você não fez. Aliviei-me. Precisava da certeza que não estava correndo atrás de alguém que não existia, ou que era louca.
Agora me pergunto se algum dia eu vou retornar a te ver. Quiçá (agora dei até para falar gírias de velhos) numa esquina qualquer da Avenida Paulista. E se nossos olhares se cruzarem, será que você vai fugir? Como você reagiria se, por um acaso, retornasse a minha rua e, automaticamente, ao cruzar o asfalto, olhasse para o meu sétimo andar? Será que eu ainda estaria lá? Será que você iria se lembrar?
Se você for, eu vou.
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(inspirado na música Sétimo Andar de Los Hermanos)
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UP:
Deu a louca no blog (tô dizendo que ele me odeia, qualquer dia eu mudo) e postou o mesmo texto um zilhão de vezes. Agora já ajeitei, ainda bem --'