quarta-feira, 31 de março de 2010

Janelas e amor com chuva

Uma gota de chuva escorregou sobre o vidro da janela, juntou-se a outra e formou uma lágrima grossa, até chegar ao parapeito e morrer num rio ladeira abaixo. Os olhos miúdos de uma pequena garotinha olhavam através dessa janela, para o outro lado da rua, para as outras gotas de chuva juntarem-se e escorrerem nas outras sete janelas à frente da sua. Ela olhava as janelas, observando cada uma, na sua singularidade, e apenas as olhava porque, da sua própria janela, ela não conseguia ver o céu.
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Jéssica saiu de casa quando o sol se punha no canto oposto ao seu prédio, e esperou o táxi na frente da recepção. O prédio não tinha ar-condicionado central, por isso teve que ficar do lado de fora, embaixo de uma tenda protetora, ao lado de um camelô que vendia bijouterias. Quando entrou no táxi e disse o destino, foi a hora que o céu escureceu e começou a chover.

- Está atrasado. - disse ela a um homem de pele escura, sentando-se à sua frente.
- Eu sei. Desculpa. - ele pediu, abaixando levemente a cabeça.
- Tudo bem. - ela sorriu.

O restaurante não estava muito lotado, mas os garçons demoravam demais para atender. Ele pediu a massa, ela o vinho. Comeram, pouco, porém tranquilos. Terminaram a massa. Mais vinho, uma, duas garrafas. Ela sentia-se sutilmente leve, e poderia ser levada a qualquer lugar dali, com ele.
Pediram ao garçom que chamassem um táxi.

- Na minha casa ou na sua?
- Na minha.

Ela sorriu e pegou na mão dele enquanto esperavam o carro. Entraram, e o motorista não se importou de ver uma alça sendo levemente abaixada de um ombro branco como pérola. Estacionou no mesmo prédio que, poucas horas atrás estava parando para que uma moça branca entrasse, e aceitou a gorjeta do homem negro que a acompanhava.

Jéssica rodou a chave na fechadura de seu apartamento, sentindo as mãos ágeis daquele homem agarrarem sua cintura. Fechou a porta do quarto atrás de si e sorriu, mordiscando o lábio no lado direito.

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A menina estava acordada, mesmo que fosse muito tarde da noite. No seu quarto não havia televisão. Através da sua janela, por entre os riscos de chuva, ela olhava as outras janelas à sua frente, cada uma com seu comportamento diferente. Foi então que teve, sem que menos soubesse ou esperasse - ela só foi saber exatamente sete anos mais tarde - o seu primeiro contato sexual. Da última janela da esquerda para direita, na primeira fileira de baixo para cima. Com o torso inclinado, os cabelos jogados para trás, os seios subindo e descendo, apontados para o céu, uma mulher arfava. A pequena menina assistiu aquela cena com seus miúdos e inocentes olhos até que a mulher se exaurisse no seu completo desejo e caísse por cima do corpo que a menininha mal conseguia ver, na escuridão da noite e do quarto. Ela viu os corpos se mexerem, uma luz se acender no íntimo do quarto e uma sombra caminhar para dentro do recinto. Depois, não viu mais nada.

Então, deitou-se na cama ao lado da janela e ouviu o tilintar da chuva que cessava, lá fora.